Melado

Que gripe violenta! Digo isto, pela forma com que ela me jogou na cama nesses últimos dois dias, fiquei zonza, fanha, e com o nariz marcado, descascado e vermelho de tanto assoar. Peguei da minha filha que dodói se aconchegava e dormia do meu lado. Coisas de mãe e filha. Mas não são aquelas bochechinhas rosadas e pequenas de outrora, é de uma pessoa já quase com o dobro da minha altura. Ainda assim, fazendo coisas de mãe e filha.

E aí, quando a cabeça gira sem conseguir se concentrar no que presta, aparece, mais adiante, o medo do que está mais à mostra, o de morrer. Minha filha entra no quarto e me pergunta: “tá sentindo o que mãe? Se tem coriza não tem problema”. Ficamos tacitamente tranquilas, mesmo que nenhuma das duas tenha revelado abertamente a preocupação de estar contaminada pelo coronavírus.

E tome antigripal e pastilha para a garganta, xarope e, por fim, muito chá, de tudo o que se pôde comprar nas Casas Pedro debaixo de casa. À granel, experimenta-se de tudo, até tomilho vai junto; O armário ficou abarrotado de saquinhos.

O primeiro dia foi para esquecer. Águas rolaram. Pensei que estava fazendo uma faxina em meus pulmões de tanto catarro que saiu, está com nojo? Pior é deixar isto lá dentro. Só mais à noite me preocupei pelo excesso.

No dia seguinte, a fonte havia secado. A coriza foi-se e ficou só uma tosse seca asmática e com ela, o pânico. Será que agora é o famigerado? E aí me veio em mente o melado. Um vidrinho que estava guardado já há um tempo no armário. Comprei porque descobri num livro que meu tipo de sangue precisava. Mas passado dois dias, achei besteira e lá ficou ele, fechado. Foi tudo de estalo. Peguei uma colher de sopa e enchi. Tomei. E o alívio foi imediato. Sei lá o que fez aquele líquido escuro e melado, mas a tosse passou e eu dormi e sonhei.

Sonhei que escrevia sobre isso e o melado.

E aqui estou eu a fazê-lo.

que possa servir de inspiração…