O TÉDIO QUE FAZ O CRONISTA
"Todo dia é um belo dia para uma crônica." Disse alguém que, provavelmente, está uns 5 degraus a mais na escada da escrita. Dias legais não são para crônicas reais. Quem vai parar seu banho de mar para descrever o quão salgadinha e deliciosa a água estava? Ah, por favor! Dias tediosos são muito mais inspiradores.
Eu não sei vocês, mas nesses dias eu procuro qualquer distração. Uma nuvem que cobre a minha casa? Um momento bem humorado em que a natureza, mãe de todas as minhas incertezas, resolveu me abençoar, poupando a minha pele sensível de uma rajada de raios ultravioletas. Como não vou ficar inspirada com esse favor?
O tédio nesse período é tão supremo, que até um pequeno passeio para uma padaria torna-se uma verdadeira viagem. Já ouviram papo de velho? Eu moro com os meus avós, os meus velhinhos. E quando tenho que ir a algum lugar com eles, o momento sempre vem recheado de informações simples, mas tão incisivas que todo mundo ama. Descubro onde alguém que eu nunca vi na vida mora. Descubro quem era o dono de uma loja antes mesmo daquilo ser considerado um terreno. Coisas bem bobinhas que fazem a gente pensar o quanto é bom ter um velhinho para mostrar como as coisas eram antes de seus olhos verem aquela imagem.
É só no tédio que essas coisas são percebidas. Estando animado, feliz, bravo ou de qualquer outro modo, você estará distraído demais para perceber essas coisas que fogem ao estímulo cerebral. E se parar pra pensar, a nuvem, seus avós e suas conversas distantes sempre passam desapercebidos. Eu nem sei o que estamos fazendo de tão importante para não se perguntar porque às 14 horas da tarde, no meio do sertão, o sol não está quarando até a última gota de líquido do seu corpo ou o que nossos avós estão pensando sobre uma padaria que antes era uma discoteca. A questão é que o tédio é o pai das minhas crônicas e, vai saber, do meu intelecto.