DONA MARIA E SUA DENTADURA
Passava das 13:30hs , cheguei em meu consultório para mais uma tarde de muito trabalho , em cima do balcão da pia uma pequeno pacotinho. Minha secretária disse que a senhora Maria ( preferi não dizer o seu nome verdadeiro) tinha deixado para eu consertar. Abri o embrulho e surpreso encontrei uma dentadura superior quebrada bem ao meio. Quem trouxe foi uma moça que não se identificou, mas falou que a dona Maria não saia mais de casa fazia anos , pois já passava dos 86 anos de idade e pediu para ela trazê-la.
Disse-me também que mandou perguntar se eu poderia consertá-la e quanto eu cobraria pelo trabalho e se eu poderia levar até sua casa que ficava a uma quadra do consultório quando estivesse pronto.
Falei pra ela que eu consertaria sim e que ao final da tarde mandaria entregar em sua casa. A menina agradeceu virou as costas e foi embora.
Fiquei pensando na inocência daquela situação e que ainda existem coisas simples neste mundo de complexidades. Dona Maria mandou sua dentadura para consertar como quem manda uma calça para fazer um remendo no joelho , ou como se mandasse seu sapato para trocar o tacão que já estava gasto.
Neste período tão científico e tecnológico , onde as coisas são resolvidas através de emails , mensagens eletrônicas , códigos , senhas e coisas que nem sabemos como funciona , estava eu com um Dappen* cheio de resina , colando a dentadura da dona Maria da forma mais primitiva e artesanal que se poderia fazer , como pouco seria de se imaginar , enquanto ela , certamente , aguardava na sua casa de porta e janela de frente para praça , sentadinha em sua cadeira de balanço , com sua boca murchinha pela falta do suporte dos dentes de acrílico já gastos e encardidos pelos anos.
É bastante comum ver pacientes com pares de dentaduras com dezenas de anos, tão antigas em suas bocas que acabam por se tornarem parte delas. Já estão tão adaptadas que colam e recolam uma infinidade de vezes temendo não se acostumarem com uma nova , o que acontece com bastante frequência.
Durante muito tempo eu consertei algumas que eram mais velhas que eu. Hoje isso não acontece mais , não porque elas rejuvenescem , mas porque eu envelheci. Envelheci para estar consertando a prótese da dona maria.
Após dar o polimento na prótese ,depois do acrílico ter tomado presa e estar bem firme, fiquei feliz e realizado , não pelo trabalho em si , que era coisa simples , mas pela alegria que eu proporcionaria a doce velhinha.
Minha tarde estava completa , talvez tenha sido o trabalho mais gratificante daquele dia , o paciente mais importante que atendi. Logo , logo dona Maria estaria de sorriso novo.
Eu tinha devolvido a ela o seu sorriso e ela teria me proporcionado um momento de alegria. Enfim nós dois sorrimos naquela dia..