TERRAÇO DA CASA GRANDE - Lia de Sá Leitão – 18/07/2020
Todos se reuniam no avarandado da Divina Graça em dias de férias. A meninada corria, pulava, os mais gulososos comiam os manjares da Bá.
O barulho era infernal, pois a casa nas férias era frequentada por toda sorte de família, parece preconceituosa a frase, mas não é. Os mais estranhos queriam atenção total da vó e para compensar a quantidade de crianças e a falta de tempo privilegiado a Avó fazia brincadeiras durante as tardes.
Tia Deda como sempre se metia a ser santa e obrigava todos os encaretados rezar para os Anjinhos da Guarda; depois para Santa Terezinha do menino Jesus, depois para São Francisco de Assis, enfim a corte Celeste depois o Terço uma imensa oração para Todos os Santos.
A meninada puxava os cabelos das primas chatas, arrotavam sonoro, não faltavam os beliscos dos meninos nas meninas, choros, o pior era palavrão. Cada palavrão se iniciava tudo! A reza dos anjos. Terço . Ladainha, palavrão! Recomeçava às vezes do amém final. Era uma aporrinhação para os Santos.
Todos sabiam a classificação dos primos, os encrenqueiros e os encrencados.
Os encrencados eram os sonsos. Aqueles que botavam o pé para o outro cair, tiravam os doces dos mais novos e faziam caretas, xingavam o pai dos bem comportados com palavrões e peidavam junto das tias velhas e suas visitas, colocavam sal nas tigelas de doces e se afastavam sorrateiramente, dobravam de rir quando as meninas se assustavam com os cururus que plantavam estrategicamente na varanda. Baratas, minhocas dentro dos copos. Um inferno!
A avó combatia com a maior calma, Tia Deda rezava horas com o cristãozinho no castigo, tia Hirma mandava dar banho frio para alcamar, tia Genoveva (todo mundo tem uma tia Genoveva emburrada, reclamava de dores nas juntas e chorava quando lembrava do filho que morreu no açude depois de comer manga vede com sal) mas, na hora do castigo era cruel! O quarto, um lápis e caderno: Em nome do Pai e de Maria Santissima vou ser bem comportado (a) eu sou menino(a) de Papai do Ceú, isso umas duzentas vezes.
O pior de todos era ficar privado das brincadeiras, mas esse castigo partia do avô, O Conde da Divina Graça.
Os quietos, sentados nas cadeirinhas olhavam tudo, comiam que nem umas dragas, mas não participavam de nada. A avó insistia para a brincadeira de roda e eles se encolhiam inteiros ao útero, aquelas cadeiras enormes que até os adultos ficam socados lá dentro como a gema de um ovo.
Os normais, aqueles que brincavam e comiam, com os jogos de mesa ou totó.
Os encrenqueiros, aqueles que ninguém confiava. Participavam de tudo a contra gosto dos encrencados. Tia Deda obrigava aceita-los. Criança é criança e a rixa só aparecia com juras de você me paga depois das punições.
Os encrenqueiros exigiam os melhores lugares na fila do sorvete. Choravam pelos maiores pedaços de bolo, e pelas cores mais disputadas dos saquinhos de pipocas, as balas de frutas vermelhas. Enfim até na brincadeira eles queriam sempre escolher seus parelhas, esses primos eram eugênicos, agora eu sei disso porque continuam soberbos. Nem o Corona Vírus em tempos de adultos deu lição de bem viver e conviver.
Eles eram fortes, mas não somavam forças. Nós, os encrencados devido a fragilidade e necessidade de proteção tínhamos um pensamento rápido, uma desculpa sempre plausível e somávamos as forças, astucias e algumas pequenas maldades.
E assim crescemos. Eles protegidos dos adultos, hoje na morada eterna, creio que se reúnem pelos velórios nos cemintérios recifenses. Afinal partem deles as noticia fulano partiu, fulana morreu, beltrano foi para a morada eterna! Nós os encapetados ainda reunidos em confrarias participamos das cerimonias e bebemos todos os defuntos que aparecer, e sabemos que uma hora dessas seremos bebidos também.
Historias pitorescas, muita cerveja, uísque, cachaça ( para os mais chiques tequila) muita risada e haja bebedeira o defunto com uma vontade danada de se levantar, mas a preguiça é maior. Apenas ri quietinho como os bons moços(as) os únicos que sobem ao paraiso.