Beirut
O que é que sobra na ausência do tesão? – Lilian me perguntou, andando de pontas de pés na beira da cama.
- O tédio? – Respondi.
- Quase.
- Então é o que?
- A morte. Se a pessoa não tem tesão em nada nessa vida, ela tá só esperando a morte mesmo.
Lilian desceu da cama e se esticou em alguma posição de Yoga.
- O que te dá tesão? – perguntei.
- Sei lá. É difícil de explicar... Uma boa conversa, um livro bem escrito, pessoas... não sei... qualquer coisa que tenha emoção.
- Da pra perceber isso em você.
- Imagine só. Nunca imaginei que eu estaria aqui, nua, filosofando na casa de algum homem semidesconhecido.
- Como assim?
- Depois que você passa quase uma década, dentro de uma relação morta, você termina morrendo um pouco. Eu deixei de ser eu mesma pra me tornar alguém capaz de sobreviver a um casamento que tinha deixado de fazer sentido há muito tempo. Enfim, eu tinha me esquecido o que era ter liberdade pra fazer as coisas que eu quero... Pra falar as coisas que me vêm na telha, seja lá com quem eu quiser.
- Não imagino você dentro de algo assim tão sufocante.
- É por que não era eu que estava lá. Era outra. Outra que eu não faço questão de ser novamente.
- O que aconteceu no seu casamento para as coisas chegarem a esse ponto?
- Não sei ao certo. Talvez nem ele saiba.
- Acabou há quanto tempo?
- Quatro meses... Você é o primeiro cara que eu saí depois de me separar. Já ele não esperou sequer uma semana.
- Faz diferença pra você?
- Na realidade, não. Eu simplesmente precisei deixar algumas feridas fecharem antes.
- E como você se sente agora?
- Você quer saber se foi bom entre nós?
- Também.
- Foi mais leve do que eu esperava. Mais sincero do que eu estava acostumada.
- É uma forma estranha de descrever uma transa.
- Gosto de manter um certo mistério.
- Ok. – Respondi contrariado.
- Eu ainda estou aqui, não estou? Isso significa muito.
- É verdade. – comentei.
Lilian sentou-se no chão em posição meditativa, repousou as mãos nos joelhos e respirou profundamente. Com os olhos fechados, então, começou a cantar com a voz baixa.
“And a fall from
you is a long way down
I've found a better way out
And a fall from you
is a long way down
I know a better way out
Well it's been a long time
since I've seen you smile
Gambled away my fright
Till the morning lights shine”
Lilian voltou a suspirar e calou-se ao fim do verso.
Quando abriu os olhos eu pude duas gotas de lágrima escorrendo dos seus olhos, uma de cada lado da face.
- Cherbourg, não é? De Beirut...- Perguntei.
- Isso – Ela respondeu, abrindo um sorriso.
- Combina com sua voz.
- Você é muito gentil, moço.
- Estou sendo sincero...
Lilian se levantou e se jogou de costas na cama, bem ao meu lado.
- Você tem vinho? – Perguntou.
- Tem uma garrafa na geladeira.
- Você guarda vinho na geladeira?
- Não sou muito de tomar vinho. Mas quando tomo, gosto dele gelado.
Lilian se sentou na cama e cruzou os braços.
- Como alguém não gosta de vinho?
- Alguém que já teve muitas ressacas... – respondi.
- Tempo de faculdade?
- Exato.
Ela caiu na risada e eu me levantei pra buscar vinho pra ela.
Trouxe a garrafa já aberta e uma taça.
Lilian encheu a taça até a boca e tomou um gole e me deu um beijo com os lábios gelados e tintos de vinho.
Eu podia ficar o dia inteiro beijando aquela mulher... podia passar o resto do fim de semana a ouvindo filosofar pra mim e pras paredes da minha casa.
Podia encher páginas e mais páginas com suas histórias, e podia me ver lhe contando as minhas. As boas e as ruins, e eu tinha a certeza de que ela estaria escutando, simplesmente pelo prazer de escutar.
Eu podia me ver abrindo minha cabeça e lhe entregando pedaços dos meus pensamentos, das minhas ideias e dos meus sonhos.
Enfim. Talvez Lilian só precisasse de uma transa, e o tesão desapareceria pela manhã como uma gota de água secando no sol.
Me afastei um pouco dela e fiquei um bom tempo com meu olhar preso no dela.
Mas então ela me puxou mais pra perto...
Lilian era quente e eu queimei junto com ela. Dentro dela, até que o sol entrou no quarto em feixes de luz pela janela.
Fechei as cortinas e ela dormiu espalhada pela cama, com o corpo descoberto
Ela dormia o sono dos que tem paz.
Me deitei ao seu lado e ela entrelaçou as pernas nas minhas.
Era uma boa forma de adormecer... - Pensei, antes de fechar os olhos.