A grande estiagem
As velhas da aldeia, foram buscar água na mina, e notaram que o volume de água estava baixando dia após dia, houve um silêncio impregnado de temor e medo. Algo ruim viria acontecer naquela aldeia esquecida pelos homens e perdida nas funduras dos cerrados. Um pássaro agougueiro piou fortemente, parecia que estava dando aval a tragédia que abateria sobre todos.
Já fazia alguns meses que não aparecia nenhuma pequena nuvem no céu, e o sol com seus dardos flamejantes, dia a após dia, ia castigando a natureza, os homens e os animais. E no final do dia, o vento de Agosto, com fúria e gosto, cobria tudo de poeira, e havia muito desgosto estampado em cada rosto.
E a chuva tardava a vir, e a grande estiagem avançou pelos cerrados afora, e a secura era tanto, que pegou fogo na mata, e a fumaça era tão densa,tão espessa que parecia cobrir o sol, foi um espetáculo sinistro e dantesco, e os velhos mais velhos, diziam que era o fim do mundo.E as crianças magras, sujas e pálidas não compreendia o que estava acontecendo, e fervorosamente rezavam pedindo chuva a São Pedro.
Os dias foram passando lentamente, as vacas leiteiras magérrimas morriam de sede ao lado de seus bezerros, os porcos, cavalos e os animais do campo tiveram a mesma sina. As lavouras de arroz, feijão, milho e mandioca não resistiram a estiagem, e desfaleceram como as flores de um dia.
Alguns velhos já fracos e doentes, nos deixaram na mesma semana, dizem que eles morreram de desgoto já no fim de Agosto, morreu Dona Titina, Dona Calú , Dona Maria Dolores e seu Benedito o contador de histórias. Com ele foi enterrado milhares de contos, histórias e estórias.
No povoado havia desavença religiosa, e o vigário Pietro, não gostava do seu Paulo, pois ele teve uma experiência profunda com Deus, deixou os seus santos, rezas e pátuas e apregoava que Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida, e que Jesus era o único intermediário entre Deus e os homens.
E o tempo passava e a chuva não chegava, e todos eram assolados pela fome, doença e miséria. Foi quando Dona Sofia a nossa professora primária, tocou o sino da velha capelinha, chamando todos para a reunião. E ela falou ousamente, para que caísse por terra todas as desavenças, ódios e maldades. Chamou todos ao arrependimento e houve uma comoção geral, e disse: “Oremos para que Deus tenha misericórdia de nós e nos envia chuva em três dias”.
Houve silêncio na terra e no céu, depois veio o quebrantamento e as barrerias foram caindo e as orações foram subindo ao céu. Passou Sexta, Sábado e finalmente no Domigo o milagre aconteceu, o vento começou assoprar furiosamente, e nas funduras do mundo milhares de relâmpagos anunciava que chuva estava chegando, e chegou a cântaros no meio do ribombar dos trovões.
A alegria tomou conta de todos: os velhos, homens, mulheres, jovens e crianças, todos foram para a praça central, e unânimes erguiam as mãos pro céu, agradecendo pela chuva que chegou. Muitos choravam emocionados, e as crianças felizes brincavam nas poças de águas. Titica nossa cadela de estimação participou do festejo.
E a chuva caiu copiosamente por longos dias, e a vida aos poucos voltou ao cerrado, o verde clorofila tomou conta da paisagem. As andorinhas voltaram aos milhares, ocupando todas às árvores da cidade... E o Rio Seco, voltou a correr velozmente pelo sertão e meu velho pai dizia: “Que o rio levou toda a mágoa e desgosto do Mês de Agosto”.
A Grande Estiagem foi pedagógica, Ela molda o carácter e faz forte os homens, as mulheres, os jovens e as crianças do sertão. Já se passaram muitos anos e ainda tenho gravado nas funduras da memória, todas as imagens daquele tempo, o qual passo a escrever nesta folha de papel.
Confesso que vivi.