Rua Larga e Coração Estreito
Procurar os ipês rosa nesta época do ano pode dar muito prazer. Por onde os olhos mais atentos se viram, lá está um, frondoso e delicado, destacando-se em qualquer cenário da cidade. Estão numa fase em que não apenas enchem a vista de quem contempla sua alta copa, como também de quem apenas caminha pela sua sombra. Com estes, são generosos: esparramam suas flores pelo chão e fica impossível não notar aquele improvável tapete cor de rosa sobre a calçada sem-graça.
Não é outono, então por que aquelas flores caem? E por que não são todas as que caem? Naquela manhã chuvosa, voltei a pensar nos ipês, e concluí que alguns deles choram suas flores.
Aquele tempo chuvoso em pleno domingo de inverno só podia significar tristeza. Éramos os mesmos a caminhar por aquela rua larga, em direção ao seu fim, de onde voltávamos ao mesmo lugar. Caminhávamos como um ato de rotina, perseverando em busca da boa forma, fugindo do inevitável. Caminhantes desconhecidos, mas familiares. Os rostos eram os mesmos, embora os corpos pudessem variar com o tempo.
Aquela senhora fazia parte da rua larga. Seus passos pequenos, apoiados em uma bengala, se repetiam após cada pausa, apesar das dores. Dizia que o andar era doloroso, mas necessário. O que ela não sabia é que esse andar era parte do cenário daquela rua. Houve um tempo em que era possível encontrá-la em qualquer parte da larga rua. Mas ultimamente seu caminho se reduzia a uma única quadra, com pausas cada vez maiores.
Impossível passar por ela e não parar para um dedo de prosa, ou pelo menos não lhe retribuir o sorriso e o bom-dia. Ainda que a conversa fosse sobre suas dores ou apenas sobre o clima, seu exemplo era mais do que um estímulo aos caminhantes; era um convite a retornar a vê-la.
Nesse domingo, conforme já anunciava sua ausência nos dias anteriores, aquela quadra era a mais triste de todas. Um lindo tapete de flores sob o ipê rosa foi o presente da rua larga à sua mais querida caminhante. Aquelas lágrimas de flores seriam choradas por aqueles que não mais a encontrariam, ainda que não soubessem seu nome, ainda que pensassem que naquele dia o destino não quis que se encontrassem.
Aquela rua não mais seria a mesma para os caminhantes. Aquela ausência estreitaria seus corações. A rua já não seria larga o bastante para as lágrimas do ipê.
(Para Dona Teresa, 14 Setembro 2009)