O Cortejo de Maracatu
Era um verão de sol e calor, o sol amarelo das tardes quentes de Curitiba esquentava a pele das mãos e dos pés, a gente ficava ali em pé um tempo esperando a banda fazer a iniciação, era um grito de guerra. E aí, a mágica começava, um a um, os sons dos instrumentos iam começando a fazer seus sons junto com a voz do grupo. Primeiro um cantava, em seguida, cantavam todas vozes em uníssono, guiadas pela primeira. Aos poucos o ritmo do Maracatu Nação tomava forma e a gente sentia a vibração que subia do chão para as pernas e colocava o corpo para mexer. Antes de perceber, já estava entre um pulo e outro, movimentando todo o corpo. Conforme o cortejo seguia a gente ia junto, no mesmo embalo, à frente. Eu via minha saia planando quando eu girava e aquilo era como uma libertação, meus cabelos longos agitavam-se ao redor de meus ombros. O chão de pedras do calçadão, com seus pinhões escuros em contraste com o branco dominante. A sensação era de pertencimento. O batuque não me permitia parar e eu não era a única. Muitas outras raparigas de saias longas e cabelos balançantes pulavam conforme o ritmo da música em conexão com seus corações. Todas juntas formávamos uma verdadeira festa, abrindo passagem para o pessoal que tocava. Éramos como ninfas que dançavam a saltar entre si de um lado para o outro, girando e voltando num pé só. Puxávamos as saias e as fazíamos flutuar junto com nossas pernas. Olhos às vezes fechados, porque não se precisa ver quando é a música que guia todos os movimentos. Um pulo, um giro, como filhas da Terra em uma coreografia improvisada a celebrar a mãe. Eu fazia parte desse evento e mesmo sem conhecê-las nenhuma, naquele momento pareciam ser minhas irmãs. Éramos em conjunto um grupo de deusas inebriadas pelos sons e o ritmo dos agbês e das alfaias. Nunca em outro lugar me sentiria tão livre e tão leve. Havia uma troca de energias coletiva e frenética, quase histérica. A matéria aquecida pelo sentimento como que se dissipava no ar, todos irradiavam ondas de energia tão coloridas que se podia ver a olho desnudo esse espetáculo de cores. Esse cortejo ainda ia longe, a durar até o cair da noite no plano físico, e não teria mais fim no plano espiritual, pois que esse ritmo uma vez que cola na alma não a deixa novamente. Dali para frente, o meu coração seguiu rufando como as alfaias, e no fundo da memória, fica até hoje tamborilando quando o silêncio é muito.