Testemunha ocular
 
Acordo e fito o teto do quarto. Não sei por que acordo, parece até um relóginho interior que desperta.
E no escuro os pensamentos começam, como cachoeiras. Principalmente aqueles problemas indissolúveis. Aquelas sombras escuras.
Levanto. Acendo a luz. Desço as escadas lentamente e meus passos são cuidadosos.
4 horas da manhã. Sento na poltrona da sala e ligo a TV. Vejo uma propaganda de centrifugador de sucos.
Pudesse eu colocar todos meus pensamentos alí, e centrifugá-los. Fazer deles um só. Depois despejá-los no ralo da pia.
Acendo um cigarro. Veneno diário - companhia necessária.
Dirijo-me à cozinha para fazer café. Que insanidade, café as 4:10 da madrugada.
Sento na mesa da cozinha, com minha xícara cheia,  bebendo devagar, aquela quentura parece aquecer-me a alma, e me traz certo conforto.
Olho para as cadeiras vazias, e pareço ouvir a voz das crianças :“Mãe, o que tem para o jantar?”. Parece tudo tão longínquo.
Meus olhos se deitam no refrigerador, em uma foto nossa de férias na praia. Sorrio.
Termino meu café, meu cigarro, e lentamente volto  para meu quarto. Subo as escadas dando uma parada, olhando o sofá, o tapete, e pareço ver cenas antigas.
Sento na cama, apago a luz. Meu quarto parece tão imenso.
Deito a cabeca no meu travesseiro, e o teto é testemunha ocular de minha solidão.

 
Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 15/07/2020
Reeditado em 14/07/2021
Código do texto: T7007115
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