Final Feliz

Eu me lembro de termos passado alguns fins de semana completamente isolados do mundo dentro de um quarto. Em geral o meu.

Num desses finais de semana ela chegou em casa com um ar mais soturno do que o de costume. Eu não disse nada a respeito. Apenas fiz o café um pouco mais forte, do jeito que ela gostava de tomar quando parava para ruminar os seus problemas e pensamentos.

- Trouxe cerveja de trigo. – Ela disse.

- Você sabe mesmo como agradar um homem. – Respondi, enquanto botava o bule no fogo.

Eduarda sorriu e guardou as cervejas na geladeira.

Depois ela acendeu um cigarro à beira da janela e fumou sem dizer uma palavra sequer. Quando voltei da cozinha, ela deu o ultimo trago no cigarro e se sentou no chão, abraçando os joelhos.

- Aconteceu alguma coisa?

- Não quero falar sobre isso agora.

- Justo. – Respondi.

Fui tomar um banho. Quando voltei, Eduarda estava rabiscando algo num caderninho de notas. Fui até o quarto me vestir e quando voltei ela estava encarando a folha de papel.

- O que é isso? – Perguntei.

- Uma carta.

- Ah. Ok.

- É pra você.

- Serio?

- Ainda não terminei.

- Eu espero até estar pronta.

- Não sei se ficará um dia...

- O que falta?

- Falta uma promessa.

- Como assim?

- Todo Livro... Todo Texto... Têm que ter uma promessa.

- Não sei se estou entendendo.

- A promessa é o que o livro tem a oferecer. E um livro é bom quando a promessa é boa e o livro entrega essa promessa a quem está lendo.

- É...

- Veja a bíblia. A Bíblia promete a vida eterna a quem está lendo. E mesmo que não seja particularmente um livro bem escrito, a recompensa é tão grande que tem gente que anda com ela debaixo do braço pra todos os lados. A Bíblia é um dos poucos livros que oferece um final genuinamente feliz. Enfim, pra quem acredita nela, pelo menos.

- Mas tem diversos livros com final feliz, por aí.

- Você tem certeza disso?

- Tenho, oras.

- E o que acontece depois desses finais felizes?

- Não sei. As pessoas vivem o final feliz?

- Não... As pessoas morrem.

Fiquei calado, pensando no que ela tinha dito.

- Pouca gente consegue pensar na morte como um final feliz. Por isso os livros omitem isso do leitor e oferecem algo que não é um final... mas só mais um momento.

- Acho que você está certa.

- Mas o problema da minha carta não é final, mas a promessa.

- Só o fato de você estar escrevendo algo pra mim, já me é promessa suficiente.

Eduarda enrubesceu um pouco, mas logo retomou sua argumentação.

- Eu não sou como você que tem facilidade com essas coisas. Botar o que penso no papel é realmente difícil.

- Engraçado que você ache que seja fácil pra mim.

- Para pô. Você escreve coisas pra mim desde a primeira semana que nos conhecemos. Sem contar o tanto de outras pra quem você escreveu né?

- O processo não é fácil. – Respondi.

- Tudo bem. Não deve ser fácil pra ninguém.

- Acho que nós dois somos promessa suficiente.

- Você acha?

- Não teve um momento que você esteve comigo que eu não quisesse estar com você.

Eduarda ponderou o que eu havia dito por alguns instantes e guardou o caderninho no bolso da calça jeans.

- Preciso de um banho - Ela falou.

- Tudo bem.

- E de um café...

- Eu fiz.

- Forte?

- Cinco colheres.

Eduarda sorriu e me deu um beijo nos lábios e levantou.

- Que bom... O seu café parece chá.

- É que senão eu não durmo.

- Não estou afim de dormir hoje. – Ela me disse, com um sorriso...

Eduarda se despiu e entrou no banheiro me puxando pela mão.

Quando ela abriu a torneira, entrou debaixo do chuveiro e sorriu.

A água estava quente.

Era um final feliz o suficiente pra mim.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 14/07/2020
Reeditado em 27/01/2022
Código do texto: T7005376
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