O professor

É realmente incrível o que podemos encontrar, em nosso dia a dia, ao passar pelas ruas de uma cidade qualquer e frequentar os seus lugares, como um supermercado. Claro! É preciso manter os olhos bem abertos, o que poucos fazem; considerando os ritmos da vida cotidiana. Foi num dia desses, em meio às compras do começo do mês, que me deparei com alguém. Não! Não o conhecia. Ainda assim, algo havia me chamado a atenção. Um homem, robusto, calvo e sério. Mas isso não vem ao caso. O que me intrigou mesmo era a camisa que estava usando. Nela havia palavras: “não corrigi as provas”. Na hora, pensei: um professor. Só pode!

Primeiro porque quem é professor, ou professora, sabe. “Já corrigiu as provas”? é a pergunta que domina a sala de aula algum tempo após a aplicação de uma avaliação. Vem de alunos ansiosos. Comparam o trabalho docente com uma esteira de produção. Querem as notas na mão, e quando se frustram com estas, aí... não tem para ninguém! Culpam até as paredes por não terem dito a resposta correta. Mas não os culpo por isso. O que me fez, logo em seguida, pensar nas condições de trabalho daquele ser que estava docente, ou mesmo doente; já que tinha as maiores olheiras do mundo e uma cara cansada de condenado.

Imagina! Todos os dias ter que lidar com várias turmas, a final, quanto mais, melhor a remuneração; o que já não deve ser grande coisa. Dentro de cada turma, muitos alunos. Já ouço o barulho das conversas, vejo giz voando pela sala e o tal professor sendo sufocado de todos os lados e ângulos. Realmente, um cotidiano nada fácil. Logo, já acham que o professor é soldado para assim, no dia a dia, enfrentar um campo de guerra armado. Não demora muito para que seja eleito policial: vigiar a sala de aula e manter tudo em ordem já é mais importante que o próprio conteúdo da matéria.

E quanto às reuniões de pais e mestres? Estas também veem inclusas no pacote. Uma verdadeira catástrofe! Querem saber como estão os filhos, se tiram boas notas, se entregam os deveres, se se comportam como devem. Se não estão sendo, por demais, ideologizados. Questão para os dias atuais. Mas nada dos professores. Estes, de pouco interesse! Muito estresse. Informantes amadores de situações informais. Olheiros de pais ausentes.

E o que dizer dos governos? Outro fator-chave! Desrespeitam o setor, diminui o seu salário, pioram a sua condição de já estar condicionado a um trabalho que pouco lhe dá retorno. Mas tenha muito cuidado com o que vai dizer! Qualquer ameaça de discussão, diálogo da condição, pode ser interpretado de má-fé. Mas os professores resistem. Seu sindicato, pelego. Furam a ordem e partem para cima. Enfrentam a cavalaria do governador, apanham da polícia e são traídos pelo gestor.

Apesar de toda a situação ser uma situação política, não há que se interromper a ordem, não há que discutir os problemas. Comício é comício, escola é escola. Enquanto isso, tudo permanece como está. As classes superlotadas, os professores impotentes, as esteiras de produção da educação, os campos de guerra e às orientações a pais e mestres. Tudo se isola. A escola, a família; a rebeldia que se exploda, e uma hora há de explodir.

Mas enquanto tudo isso não ocorre, voltemos à especificidade de nosso caso. Continuei a observar o professor, ainda mais boquiaberto por todo esse raciocínio. O homem pagou a compra, empacotou a mercadoria e ia seguindo para o ponto de ônibus. Professor não tem dinheiro para comprar carro. Nisso, um de seus alunos passou. “E aí, fessor? Vai ter aula amanhã”? Como sempre, respondeu. Logo mais, pegou a condução.

Como é bom manter os olhos bem abertos!