** Já Fui Tanta Coisa **
Eu já fui tanta coisa. Fui o porquê sem por que. Fui professora sem aluno. Artista sem plateia. Cantora sem microfone. Palhaça sem risadas. Já fui aprendiz sem ensinante. Perdida sem direção. Princesa sem castelo. Florista sem flores. Violinista sem violino, carpinteira sem tijolos e o meu favorito é costureira de sentimentos rasgados...
Já fui menina sem inocência, adolescente sem malícia. Moleca feito mulher. Doutora sem diploma. Nadadora sem saber nadar. Poetisa sem saber versejar. Pintora de ilusões. Borboleta sem metamorfose. Contadora de histórias de terror que se assombra em apagar a luz. Já fui passarinho sem ninho...
Já fui grande no coração e muito pequena na fragilidade. Fui amante e amada e fiz sim grandes loucuras por amor. Fui construtora dos meus dias. Fui detetive sem lupa. Fui pintora sem pincel. Fui desenhista sem saber fazer uma linha reta. Fui quase tudo sem nada. Fui uma criança sem infância, mas com muitos sonhos que com o tempo foram roubados.
Mudei! Mudei de profissão, da cor do cabelo, mudei de casa para castelo, mudei o rumo e a rota. Mudei o tom de azul para o rosa. Mudei da rosa para o girassol e mudei da água para o vinho. E mudei de estado. Mudei a frase do status, troquei as lentes, quebrei alguns laços, claro alguns tive que refazer e outros nunca mais os vi. Aceitei, discordei. Disse um milhão de sim e agora eu digo não!
Já fui à lua. Já visitei Marte. Já amei o inverno congelando. Já fui teimosa. Catadora de flores lindas aos meus olhos, mas eram apenas ervas daninhas. Fui o sol. Fui sem querer o medo. Senti a escuridão. Deslumbrei a luz, a paz, o amor! Fui o sonho de alguém que acordou pela manhã. Fui o tanto faz de alguém. E fui o grande amor outrora.
Bailarina sem pompom. Fui princesa sem príncipe. Rainha sem reino. Fui uma folha em branco. Fui poesia sem rima. Dicionário sem palavras. Fui o silêncio cheio de ruídos. Coração sem compasso. Fui pecadora inocente. Julgada sem julgamento. Condenada sem absolvição. Culpada sem culpa. Fui intensa sem intenção.
Fui estrangeira só do português. Bandida sem coração. Ladra de sonhos. Fui cúmplice sem parceiro. Fui megera sem ser má. Fui doce sem açúcar. Fui atriz sem novela. Fui advogada sem diploma. Fui dançarina sem música. Melodia sem letra. Fui amada sem amor. Fui ilusão sem iludir. Já fui palavra sem tradução. Já fui baladeira sem sair de casa.
Já fui carnívora sem carne. Vegetariana sem alface. Fui loira sem amarelo. Fui sem lei, sem causa, sem jeito. Sem doçura e sem frescura. Já fui apaixonada sem paixão. Louca sem loucura. Palavra sem letra. Céu sem o azul. Fui a chuva sem água. A neve sem frio. As pétalas sem flor. A briga sem discussão.
Escrevi mil versos. Compus mil canções. Declamei poesias. Reatei amores. Apaguei paixões. Comprei vestidos. Li livros de terror. Cantei no chuveiro. Ajudei e nem lembro quem. Presenteei. Me doei. Briguei. Bloquei. Desfiz. Pintei o sete. Pulei corda. Subi na árvore. Comi fruta sem lavar tirada do pé. Abaixei a cabeça. Levantei na hora errada achando estar certa. Perdi o foco, a noção do perigo. Voltei atrás. Esqueci. Perdoei. Magoei e fui magoada. Disse muitos sim, agora digo não, talvez, pause, ah! Sei-lá.
Esqueci coisas velhas e construí muitas novas. Comecei projetos errados. Cheguei a conclusões assertivas. Engoli o orgulho. Amei-me. Amo-me. Perdi-me. Encontrei-me. Equivoquei-me. Acertei. Escrevi e apaguei. Escrevi e rasguei. Reescrevi e guardei. Molhei o travesseiro dizendo ser a última vez. Molhei mais outras mil vezes. Amei rápido demais. Odiei sem medo. Esqueci devagar demais. Senti saudade. Deixei recado. Apaguei.
Perdi o encanto e sem notar o reencontrei ainda mais formoso.
Eu ganhei o jogo. Perdi no amor. Perdi a noção. Perdi o fôlego. Minha cabeça quase pirou, mas acordei. Cantei, pulei, dancei, chorei, fiquei brava, triste e no final feliz. Senti medo. Senti amor. Senti raiva. Senti saudade. Saudade.
Não fui mulher maravilha. Não salvei o dia e nem consegui me salvar. Aceitei meus erros. Aplaudi meus acertos. Escrevi muito mais de um livro. Marquei-me na linha da vida. Pintei meu dia com aquarela. Plantei uma árvore. Salvei um peixe. Tive uma tartaruga. Fui o sorriso de alguém. Fui os versos mais bonitos de um poema. Fiz borbulhas na piscina. Fui uma poetisa sem inspiração. Rimas sem imaginação. Agora sou a mais doce melodia tocada pelos anjos!
Hoje só quero me reinventar. Escrever e rasurar. Ascender e apagar. Sonhar novos sonhos. Desenhar novos versos. Pintar novos mundos. Construir novos castelos. Beijar novo “sapo”. Reescrever novas histórias. Viajar pelos sete mares. Quero e sei que vou chegar logo ali em outro lugar. Roma, Paris, ou talvez simplesmente na minha nova e plena inspiração.