Reflexões de uma autoria desconhecida
O texto que vos apresento se trata de uma reflexão que encontrei, por incrível que pareça numa lata de lixo de sala de aula. De um papel de boa qualidade, apesar de amassado, e com uma escrita em “caneta tinteiro” de boa caligrafia, achei o texto bastante curioso e resolvi compartilhar, segue as anotações do autor ou autora desconhecida:
Deveras inoportuna é a questão do oportunismo na vida cotidiana. Como podemos diferenciar oportunismo de “aproveitar a oportunidade”? Será que existe diferença? Quão difícil de reconhecer a concretude divisória desses elementos? Confesso, tenho dificuldade de entender as motivações humanas de modo a julgá-las como estritamente corretas ou erradas, no fundo, o desejo não é de julgar, mas de perceber como a teatralização e o jogo de papeis e funções é mais presente do que possamos imaginar.
Talvez, se fossemos totalmente verdadeiros, o mundo perderia o seu encanto, talvez a aventura dessa vida esteja nas decepções, desenganos e surpresas que temos pelo caminho. O fato é que pessoas “sonsas” me deixam em alerta, porque elas são melindrosas, detalhistas e observadoras, estão à espreita de oportunidades e sabem se aproveitar de circunstâncias para construir afetos e subjetividades. Quero me remeter a uma dessas pessoas que conheci. Trata-se de um jovem professor, que aparentemente mostra-se esforçado, mas que não me engana com o espírito sonso e dissimulado.
Tal personagem sabe como atingir a subjetividade de outro professor que conheço para tentar empreitadas no mundo da pós-graduação. Ele entendeu os gostos, preferências, estilos e afetividade que o professor possui, e com isso, não mede esforços para lançar toda uma estética aparentemente condizente com esses gostos. Esse meus caros, é o elemento subjetivo que conta também, nos programas de Pós-Graduação de nosso país, para além das questões objetivas que existem, as pessoas tentam criar laços subjetivos como uma forma de alcançar postos e espaços nessa selva de títulos. Contudo, o que eu observo e que me causa certo desconforto são os chavões e elementos formulados de nosso personagem, ele em si, sempre procura aproveitar uma oportunidade para “se mostrar” diante do professor em questão. Por um lado, acessar a pós-graduação para esse personagem seria interessante, tendo em vista que já ensina na cidade, além que poderia ganhar bolsa e ainda assim, receber o salário de professor. Com isso, o que observo não são apenas elementos meramente subjetivos, muito pelo contrário, nessa relação dialética e nesse movimento, por um lado o que vislumbro de fato é a centralidade de objetivos materiais em torno do alcance de determinado lugar na academia mediante a venda e a produção de um marketing pessoal diante do professor. O que me incomoda é isso, existe um esforço em demasia para trabalhar a imagem pessoal. É muito nítido isso para um bom observador, ao colocar o fator objetivo como centro de gravidade, a produção de afetos e subjetividades é inerente a esse movimento, e para tal, há toda uma tática imagética criada com tal finalidade.
Essas coisas cansam, talvez, eu tenha me iludido com o mundo do conhecimento, nas experiências que venho tendo, ter independência e ser “bom”, produtivo, qualificado e competente implica em primeiro, acessar um campo do saber, dialogar com os arautos e anciões dessas áreas. Contudo, o que vejo, é que as pessoas utilizam de artefatos afetivos para “conquistas” e acesso a determinado campo. Não quero que me vejam de forma unilateral, vou apenas relatar exemplos. Tenho observado essa relação em “alunas” que tentam criar laços afetivos com professores. E claro, não estou colocando que os professores são inocentes nessa questão, mas o fato é que, talvez como um colega me disse uma vez: “a mulher joga de início um charme para o acadêmico carente”. E fracassado na esfera do amor.
Essa situação já se repetiu várias vezes, pude perceber em várias ocasiões. Existe uma espécie de complexo de “Electra” que talvez a psicologia pudesse explicar melhor. Na concretude o que eu vi foram relações afetivas para além do âmbito profissional, de professores tendo casos com alunas. Do ponto de vista prática e entendendo o mundo “competitivo” da academia, o elemento afetivo vale sim pontos, infelizmente, nessa corrida pelo conhecimento. Claro, é preciso medir bastante essa reflexão, de fato, há aqueles que são geniais, sabem produzir e possuem tato para questões científicas. Mas, diante da mediocridade, há estratégias vinculadas ao mundo afetivo que contam “pontos” numa corrida para se tornar o preferido, ser apadrinhado por alguém, negar isso, é negar as relações afetivas no mundo acadêmico.
Subjacente a esse fato, é importante reconhecermos que o “teatro” existe, basta um pouco de sensibilidade para visualizarmos que a vida em si, nossas relações profissionais e pessoais são arquitetadas no teatro pessoal que temos em nossas cabeças. Há toda uma performance corporal, estética e argumentativa para conseguir o que se quer. Em fotografia podemos considerar que o fotógrafo faz composições visando determinado objetivo estético. No teatro da vida temos prática semelhante, há uma plateia, mas também existe um bastidor para a construção do Eu tal como almejamos. Nesse processo inconsciente e onírico, colocamos todas as nossas táticas de “composição” do Ego para o alcance de determinados fins.
E dentro desse pensar, talvez o uso de uma tática afetiva por parte de pessoas como esse personagem que citei, seja correto na visão dele, apesar de não ser “mulher” conforme eu falei, é um dos casos de homens que tentam ganhar no afeto outro homem do ponto de vista profissional. O trabalho da imagem em uma estética que certamente o professor aprova são apenas pontos que se juntam em uma grande estratégia para talvez, conseguir uma orientação no futuro. Mas, imagino, uma pessoa dessa é confiável, tendo em si o ar da manipulação ? Tenho minhas desconfianças, porque são pessoas “sonsas”, observadoras são como leões à espreita de uma presa, ficam na relva, apenas olhando os mínimos detalhes, trabalhando o psicológico para a chegada do momento certo, de fato, não consigo confiar nessas pessoas, elas me passam a sensação de que estão sempre observando, sendo dissimuladas e falsas. Não enxergo naturalidade nas suas ações.