UM DIA A MAIS
Invejo a paciência e a calma com que muitos homens que observo se entregam aos mesmos afazeres, ou dedicam-se com paixão a um time de futebol, a uma religião ou a um orquidário. De uns nunca ouvi mera queixa da cotidianidade de seus dias. Sinto, até, que no fundo d´alma aceitam com a força bruta de uma imposição superior, e não importam os anos ou as mudanças que ocorrem à sua volta.
Invejo-os porque percebo que a tudo se entregam com um determinismo que me foge à compreensão dos sentimentos ou da razão. Que nada lhes altera o espírito pacífico, e que se fossem melhores ou piores as condições de suas doações, ainda assim a sina da aceitação vestiria seus hábitos e rotinas com a paciência da resignação e devotamento.
Poderia oferecer a banalidade de meus dias a uma coisa ou outra; porém meu entusiasmo perdura o tempo suficiente que levo para decorar o regimento de suas comunidades. Falta-me fé pois os deuses, póstumos, foram destronados antes que eu entendesse a metafísica dos homens. O espírito das grandes paisagens que sonhei na infância afigura-se-me como sono alheio ou distante. Sonharam por mim e o resultado não me cabe, mesmo sendo banal num mundo vulgar. Cansa-me cultivar mitos ou hábitos, bem como as suas exigências de devoção ou dedicação cega, e tudo me desencanta com mais rapidez do que possa pesar na balança do tempo o sentir sem entender.
Sou como as mangueiras que plantei em doação à terra, distante como anseio infantil. Meus medos ou os desejos de distrair-me com fatos fora de mim, são como brisas de inquietude entocadas nas negações ou ardis com que um dia tentei buscá-los nos excessos cometidos. A consciência do que me falta ou do que buscam passa ainda ao largo de meu entendimento; toco as reais necessidades intuitivamente, o suficiente para a incerteza de que fora de mim tudo seja inútil ou entorpecimento. Sinto então, que o que pode ser necessário não se esgota porque não há como calar tudo, nem no que há por ser dito ou compreendido, nem na necessidade de entender quando se deve sentir, ou sentir quando se deve entender.
Não podendo ser grande no que cabe a um grande, nem pequeno no trágico que há no pequeno, nada há que continuar a me surpreender com a passividade dos que têm uma, e uma só grande paixão e estão felizes com isso. Talvez não me caiba como obituário a pergunta grega de que vivi com ardor, já que escolhi mais a renúncia que o artifício da dedicação prolongada. Como um amor que não tive sempre deixasse que eu me fosse. Simplesmente.