O SURF PRIMITIVO E OS GUARDAS VIDAS
O SURF PRIMITIVO E OS GUARDAS VIDAS
Após iniciarmos a praticar nosso primitivo surf em 1964, durante meses não se via outras pessoas surfando. Depois da exibição do filme “Mar Raivoso” no final do ano, surgiram muitos praticantes, além do pessoal da Praia do Itararé em São Vicente, que aderiu ao novo esporte tomando-nos como exemplo. Mas nesse período de alguns meses entre a estréia de nossa primeira prancha oca de madeira e o aparecimento de outros praticantes ocorreram muitos incidentes com os bombeiros Guarda Vidas. A prancha tipo “caixa de fósforos” comparada às pranchas de madeirit era um equipamento muito mais adequado. As pranchas de madeirit, não ofereciam flutuabilidade e era necessário grande esforço e muitas tentativas para ficar em pé. Alguns praticantes usavam pés de pato, que embora favorecessem a entrada na onda, dificultavam ainda mais tomar posição em pé. Meu pai tinha uma Vemaguete, perua da DKW Vemag, e nós varríamos as praias desde Bertioga até Praia Grande buscando ondas. Logo após a primeira prancha ser testada, o Stipanich fabricou outra maior, com 2,80m de comprimento que, embora mais pesada, flutuava mais e entrava na onda com mais facilidade. Era uma prática solitária. Do nada, um cara ficava em pé no meio do mar e era embalado por uma onda, e isso chamava atenção de quem estava na praia. Muitos se encantavam com o novo esporte e buscavam maneira de obter pranchas, uma delas era pegar folhas de madeira compensadas ( Madeirit é uma marca dessas folhas) das obras e montar sua prancha. Assim foram iniciados muito futuros grandes surfistas. Com muito sacrifício pegava uma ou outra onda. Mas o modelo hoje lembrado como “caixa de fósforos” permitia entrar na onda e surfar, sem a maneabilidade das pranchas de fibra de vidro, que eram o sonho de todos nós. Aguardávamos com ansiedade os dias de ressaca e, quando ocorriam, cedo íamos para o mar. Além das pessoas que admiravam, os guardas vidas se apavoravam com a fato de um camarada estar no meio das ondas em dias de mar bravo. Prontamente, entravam na água e iam “socorrer” o maluco antes que ele se afogasse. Diversas vezes fui abordado após a rebentação por um salva vidas exausto me intimando para sair d`água. Geralmente eu explicava que era um novo esporte chamado surf e que não se preocupasse, que era nadador. Na maioria das vezes o camarada voltava à praia. Muitas vezes ocorrências mais graves aconteciam.
Dia de ressaca, ondas enormes na região do curvão da Itararé. Eu e Di Renzo havíamos combinado de começar a surfar cedo. Chego à praia e nada do mau amigo. Ao longe vi nossa prancha em costada na parede do posto de salvamento. Chegando lá, encontro o Guarda Vidas discutindo com o Di Renzo e ameaçando chamar a viatura para registrar uma ocorrência. Eu conhecia o guarda Mariano e perguntei o que acontecia. Mariano explicou que a prancha estava apreendida e meu amigo detido pois havia discutido com ele, Mariano. De outro lado, o Di Renzo muito bravo, dizendo que ele podia mostrar que era nadador e desafiava o guarda a cair na água com ele. Aos poucos consegui intermediar e Mariano liberou nós e a prancha.
Outra ocasião, já com as pranchas Glaspac, fomos em três até a arrebentação, parte do mar entre a Ilha Porchat e a Praia das Vacas. Belas ondas, e estávamos curtindo muito pois na “rebenta” as ondas são longas e aquele dia estava muito bom. Ao longe, noto que um catamarã a remo saia de Praia do Gonzaguinha. Vinte minutos depois, chega até nós esse barco com três guarda vidas muito bravos, já ameaçando cair na água para nos “salvar”. Argumentamos que era um novo esporte, mas não teve jeito, eles nos obrigaram a sair sob pena de apreender nossas pranchas. Voltamos para a nossa Praia de Itararé.
Paulo Miorim 10/07/2020