O que mais posso querer?
Não raras vezes, eu já ouvi a pergunta: “O que mais você quer?”, “Olha para ela, o que mais ela quer? É jovem, tem um emprego, é formada, solteira... o que mais quer?”, “Por que nunca está satisfeita?”. E, sinceramente, que perguntas mais sem sentido e inconvenientes.
Não entendo essa necessidade que as pessoas têm de se importarem com a vida alheia. Eu não digo sobre o interesse genuíno, em que se busca ajudar, dar conforto ao próximo. O que me refiro é a insensatez de se intrometer na vida alheia apenas com o intuito de emitir juízo de valores depreciativos, com críticas que em nada elevam, só machucam.
Nada é tão simplista quanto resumirmos a vida de outra pessoa e achar que ela não pode querer mais nada da vida, pois julgamos que ela já tem tudo que precisa e mais. O que mais ela poder querer? Que egoísta! Que pessoa ingrata! Fulana é jovem e bonita, que corpão ela tem! Sicrano deve ganhar bem, pois só anda arrumado! Beltrana vive postando fotos viajando!
Sabe o que desejo fazer quando resumem a minha vida dessa forma, sem que eu tenha pedido a pérfida opinião? Revidar o golpe e grita: “Sim, eu quero mais. Quero não ter nenhuma condescendência com a vida perfeita que você acha que eu tenho. Não sou forçada a aceitar o tédio da minha rotina inevitável. Eu quero mais: sonhos, desejos e anseios que eu não digo, pois vocês não entenderiam”. Mas não digo nada. Apenas ignoro.
A cada manhã, exijo ao menos a expectativa do que a surpresa, pois só ela me basta para me animar a sair da cama e fazer tudo o que devo fazer. Quero que o fato de ter uma vida prática e sensata, em que a vida me impôs ser forte, não me roube o direito de ser desatina às vezes. Que eu nunca tenha medo de buscar sempre mais, mesmo sem saber ao certo o que procuro, mas a jornada faz valer a pena. Que eu nunca aceite a ideia que a maturidade me transformará em uma pessoa conformista.
Quero poder experimentar aquilo que ainda não senti e fazer coisas que ainda não fiz. Quero ter a leveza que a vida nos exige, pois preocupações demais tiram a graça da coisa. Quero não me sentir tão responsável por tudo o que ocorre ao meu redor. Quero perder um pouco o controle de tudo e aceitar que não mando em minhas emoções e nem das emoções dos outros, mas em como vou reagir a elas. Quero fazer minhas próprias escolhas e ter consciência que terei que arcar com as consequências, sejam boas ou ruins. Me permitir ser um pouco insignificante.
E na minha insignificância, dormir mais tarde sem ter hora para acordar, faltar ao trabalho só para ter o dia para mim, conversar com estranhos e ouvir suas histórias, me divertir fazendo algo que nunca imaginei fazer, experimentar uma comida nova, deixar um pouco a minha bolha e me arriscar. Deixar de ser tão misteriosa, até de mim mesma. Me abrir a todas as outras possibilidades de existir, além da que já vivo. O que eu posso querer mais? Sei lá. Talvez ouvir mais o meu coração que minha razão, ser menos comportadinha, menos refém de todas minhas responsabilidades e ser mais transgressora de tantas regras que me impus. Quero ter mais tempo livre e descobrir o que posso fazer com ele. E quero mais abraços e beijos. E não usar máscara o tempo todo – corona, por favor, nos dê um tempo, obrigada.
Viu? O que quero não é nada tão escandaloso assim. Acho que todo mundo deveria se analisar e tentar entender o que quer mais de si e da vida. Eu acho que não sou a única insatisfeita. Será?
Você também está insatisfeito?
Talvez.
Pois é, ninguém está satisfeito.
Ainda bem.
(Sábados me deixam reflexiva).