Meu avô era uma figura. Sempre morou no interior. Para sobreviver trabalhava na lavoura. Foi assim que criou seus três filhos. Sua vida foi toda desenhada numa fazenda, onde exerceu com louvor a sua nobre função de colocar à mesa o alimento. Quando os filhos quiseram vir pra cidade, ele largou tudo, até mesmo o terreno que havia adquirido (com o suor do seu trabalho) e sua nobre casa com varanda. 
Já na cidade, com uma simpatia invejável, em menos de dois meses, conhecia todos os vizinhos pelo nome e ajudava nas obras sociais da igreja a que pertencia.
Foi lá, no bairro onde ele morava, cujo nome era Santa Matilde, que aprendi uma das maiores lições da vida. Não que o padre Roberto, ainda vivo e atuante, tenha feito um sermão tocante, mas o maior exemplo cristão veio de meu avô: um homem simples, sem estudo, íntegro, caridoso e sábio.
Ele fazia marmitas para distribuir aos trabalhadores que exerciam funções nos arredores do bairro: eram pedreiros, garis, sorveteiros, lá estava ele com seu sorriso estampado, vestido de roupa social e um chapéu na cabeça, bem ao meio-dia.
Todos os domingos, ele ia à missa das oito da manhã. Quando na igreja entrava, passava de banco em banco a cumprimentar todos os fiéis (eu disse todos) que já o conheciam e, os também novatos. Eu, ao contrário, sempre chegava acanhada e me sentava ao fundo, para não ser notada. De certa forma, una criança envergonhada. Apesar de que era impossível que alguém não soubesse quem era aquela criança que passava férias na casa do avô, afinal ele fazia questão de nos apresentar como se fôssemos trofeus.
Foram alguns anos tentando compreender aquele ritual praticado pelo meu avô, semanalmente, naquele templo. Embora fôssemos muito íntimos, por questão de respeito, sempre me abstive de perguntar o porquê de ele fazer tanta questão de abraçar um a um.
Num dia, já cansada daquela história, de todas as vezes ficar mais de vinte minutos aguardando que ele se sentasse, criei coragem:
- Vô, por que o senhor insiste em cumprimentar todo mundo com um abraço? Não seria mais simples dar um tchau ou esperar o abraço da paz? O senhor perde um tempo danado nessa prática. Podíamos chegar faltando dez minutos. Ele me olhou sorrindo e disse:
- Filha, poderia sim. Você tem razão. Apenas abanar a mão e dar um cumprimento coletivo, mas o que me faz renovar todos os domingos esse gesto é a certeza de que, ao abraçar cada pessoa, ao menos por um segundo, nossos corações se cruzam batendo em alternância e somos um. E é nessa hora que aproveito para perdoar, me colocar no lugar do outro e agradecer. Quando dois corações batem com o mesmo sentimento, as dores do mundo se esvaem. Isso não vai curar nenhuma doença, mas pode rejuvenescer a alma. É neles que sinto um Deus! Na vizinha mal humorada, no carteiro reclamão, na esposa chorosa, na viúva, no político de terno. E aqui despeço meus julgamentos e me faço um deles, sou um deles, um dia, quando crescer você entenderá.
Foi naquele dia, que descobri o verdadeiro sentido da espiritualidade: fazer corações desolados, limitador, humanos se completarem na alegria e solidariedade do encontro em ritmo acelerado pelo sangue que corre nas veias. Não foi preciso estudar teologia, nem conhecer o catecismo da igreja católica na íntegra para compreender que o único castelo capaz de sediar um rei é nosso interior. 
- Esquece os ritos, minha filha; apaga essa história de religião e de um Deus que castiga e nos quer somente Santos; e fixa no coração, nas batidas do coração!  -Disse ele com alegria. Eu jamais parei de abraçar as pessoas, até hoje...
 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 10/07/2020
Reeditado em 11/07/2020
Código do texto: T7002282
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.