HUMANO

Certa angustia afligia-o. Não saberia explicar ou ao menos dizer o que seria. Na certa diriam os médicos, tratava-se apenas de uma leve fadiga, ou quem sabe até mesmo uma simples indisposição pelas contínuas jornadas de trabalho. Sempre se expressara mal - as palavras mal articuladas em sua boca saiam com certa dificuldade, parecia sofrer de dislexia. Inutilmente em uma ocasião tentara pronunciar uma breve frase, no entanto, ouviram-se apenas alguns ruídos estranhos. Estava doente. As suas articulações doíam, as pernas fraquejavam ao leve caminhar; suas mãos antes fortes e hábeis agora eram débeis e inúteis; pesava-lhe no organismo a idade, em seus pensamentos as idéias borbulhavam dia e noite. Não dormia. As noites tornaram-se insones e preenchidas pela melancolia da madrugada. Muitas vezes sentia-se só. A solidão consumia-o como certo câncer incurável. Tornou-se absorto, preso em seus próprios pensamentos, preso em seu mundo singular e único. Por isso – pensara consigo mesmo, melhor se eu mantiver-me-me desperto, ao menos desta maneira, posso controlar minhas emoções primitivas.

Ao nascer de cada dia caminhava. Com passos lentos e sorumbáticos. Observava aos poucos as ruas se tornarem movimentadas e apinhadas de pessoas. Esse vai e vem frenético incomodava-o. Cada pessoa andava mais depressa que o outro. Entre tropeços e esbarrões a pressa era a urgência iminente. Não havia espaço para diálogos e interações sociais. Aquilo afligia-o. Incomodava-o. Decerto, percebia que a estupidez humana estava aquém de qualquer compreensão. Observara à falta de dialogo das pessoas, a falsa felicidade sentimental, a necessidade neurótica de fazer uso de telefones móveis. Tudo pelo dinheiro – retrucava a si mesmo, a ambição consumia-os. Imaginava cada um destes prostituindo-se a sua própria maneira para no fim do mês usufruir de meros tostões. E isso lhe enchia de tristeza.

A era da tecnologia pensava, consome vorazmente as interações sociais. Sentia-se perdido na rua. E naquela multidão de rostos disformes, ele tornara-se apenas outro esquecido no centro de uma metrópole, sendo vigiado por casais enamorados com suas relações amorosas artificiais; observava adolescentes gabando-se de seus trajes novos, adultos concupiscentes relatando suas aventuras sexuais; velhos que aguardavam ludicamente a morte abraçá-los com seus braços de redenção. Não há nada de real nisto – é tudo tão banal, vejo nos rostos amargurados das pessoas a decepção flertando com o desespero. Absorto em seus pensamentos tornara-se cada vez mais indisposto a socializar. Causava-lhe ânsia a estupidez e a banalidade das conversas, o desinteresse crescente em criar laços afetivos, a crueza da ambição do ser humano. E, no entanto, ali estava no meio de toda a flutuação ambígua da modernidade. Seria ele fruto da obsolescência? Algo retrógrado que vivia a mercê da sua própria condição existencial?Sua mente tentava a todo custo dinamizar e assimilar as informações obtidas, mas o barulho dos trens atrapalhava-o. O escarcéu não permitia ouvir suas próprias indagações. Caminhara alguns metros e sentou-se defronte um jardim. Acolheu entre os dedos pequeno botão em flor. O sol já latejava forte no céu. Aproximou a flor de sua narina. Não sentiu odor nenhum. Seus dedos não possuíam sensores para detecção do tato. Não saberia diferenciar se aquilo era macio ou áspero, faltava-lhe esta condição. Tinha plena consciência que era diferente. Sentia-se mais humano que todos esses que o cercavam. Em sua alma havia algo de humanidade. Não se considerava uma máquina, mesmo não tendo um coração, em seu sistema operacional fluíam apenas eletrodos, circuitos e engrenagens. No entanto, ao olhar todos os seus iguais percebera que mesmo sendo um robô era mais humano que qualquer um deles.

rodrigokurita
Enviado por rodrigokurita em 10/07/2020
Código do texto: T7002017
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