REMÉDIOS QUE MATAM

Meu velho amigo Chico, já falecido, gostava de contar histórias de quando era jovem no interior da Bahia. Era vaqueiro, mas também sabia cuidar de uma roça.

Eram muitos parentes e amigos vivendo num lugar extenso onde as casas eram distantes umas das outras. Cada um tinha sua roça. Juntavam-se para preparar o terreno, plantar, colher e transportar a colheita; todos os anos era a mesma coisa.

Na entre safra Chico era vaqueiro. Sabia como ninguém tanger o gado na caatinga.

Ainda havia tropas de burros naquela época; os criadores de burros vendiam os burricos desmamados ainda xucros. Os bichos não aceitavam uma pena sobre seus lombos, quanto mais uma cangalha com uma carga de banana, feijão, milho ou mesmo água, quando a seca castigava o sertão.

Para resolver essas questões, um profissional era requisitado, o “amansador de burro bravo”. Chico era especialista.

Dizia ele que os animais que amansava ficavam mansos como um cachorro criado dentro de casa. Ele era chamado para diversos lugares quando chegava uma burrada nova, mas o que gostava mesmo era de plantar suas roças.

Era tempo de estar junto com os parentes, amigos e chegados por dias, numa intimidade que os faziam se sentir fortes.

Foi quando uma prima se casou com um sujeito que nunca comparecia nos tempos de ajuntamento; só trabalhava quando se juntavam nas próprias terras e muito mal. Ganhou fama de preguiçoso.

O sujeitinho era mesmo preguiçoso e mestre em inventar desculpas para não trabalhar.

No ano que a prima engravidou, ele usou a desculpa dos enjoos da esposa, quando nasceu o filho, era porque o menino estava jururu.

Num certo ano, quando começaram as preparações para as lavouras, o sujeito não apareceu para ajudar em nenhuma das empreitadas, alegava sempre que estava doente.

Quando chegou a vez de ajudarem na roça dele, convenceu-se que tinha que parecer doente e então ficou pensando como faria para piorar a aparência. Decidiu que passaria vários dias sem comer direito; se almoçasse não jantava, se jantasse não almoçava, por vezes não tomava café da manhã. Sentia-se fraco.

Numa ida à cidade, ouviu falar em óleo de rícino como purgante, comprou um frasco.

Deixou para tomar o “remédio” na véspera da chegada da turma para se apresentar com todos os sintomas que alegava ter.

O homem nem imaginava como seu organismo enfraquecido iria reagir. Passou a noite inteira correndo pra “casinha” onde aliviava o ventre. Acabou desidratado.

Os parentes chegaram a tempo de vê-lo dar os últimos suspiros no fundo de uma rede pendurada na varanda onde decidira pernoitar para facilitar as corridas ao banheiro.

Todos repetiam a uma voz que o homem havia morrido era de preguiça.

Raul Correa Barcelar
Enviado por Raul Correa Barcelar em 09/07/2020
Reeditado em 11/07/2020
Código do texto: T7000343
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