A Hora do Angelus
"A Hora do Angelus ou Toque das Ave-Marias ou Hora das Ave-Marias, que corresponde às 6h00, 12h00 ou 18h00, relembra aos católicos, mediante meditação e orações, o momento da Anunciação - feita pelo anjo Gabriel à Virgem Maria - da concepção de Jesus Cristo, acreditada como livre do pecado original." (Wikipedia)
Hoje ouvi uma linda Ave-Maria e, de um pulo, lembrei-me da Hora do Angelus. Quando era uma garota, frequentava muito a cidade de Luz, ficando hospedada na casa dos meus avós maternos. Era muito comum irmos passar o fim de semana, toda a família. Nas férias, ficava inteirinha por lá. Meus queridos avós nos recebiam com todo o carinho e paciência. Tinha uma rotina a ser respeitada. Minha avó, que chamávamos Dindinha, pedia que nós tomássemos o banho mais cedo, para deixarmos livre o banheiro para o vovô que chegava por volta das 17:30 horas da fazenda. Lembro-me dele chegando, assobiando para os netos, que logo apareciam correndo na porta da cozinha para recebê -lo. Nós o abraçávamos, nas pernas compridas, alguém levava dele o chapéu para pendurar na chapeleira. Sentia seu cheiro de roça, cheiro de esterco, que impregna as pessoas que lidam no curral. Ele tinha somente esse cheiro, nenhum odor axiliar. Ai, que saudade dele! Daí, nós íamos para o alpendre e ficávamos esperando a Hora das Ave-Marias. Um certo senhor, apelidado de Leão, punha a tocar a bendita canção, todos os dias, exatamente às 18 horas. Já ouvi dizer que era promessa dele. Jamais faltava! A cidade inteira ouvia e, tenho certeza, punha-se de joelhos. Dindinha, muitas das vezes, estava conosco no alpendre e punha-se a rezar. Até hoje posso ouvir "Cai a tarde tristonha e serena, em macio e suave langor, despertando no meu coração, a saudade do primeiro amor...", depois do repicar dos sinos. Era a Ave-Maria, canção de Augusto Calheiros. O desmaiar do dia tinha essa melodia... Eu sentia uma ponta de melancolia !... Mas essa era a digital das tardes luzenses. A cena era um misto de tudo isso: o sol se escondendo e deixando o horizonte todo pintado de vermelho, amarelo e roxo; a canção do Angelus, o cheiro de café torrado... Quando o Leão faleceu e as tardes emudeceram, Luz perdeu seu charme... Eu descobri que amava aquela melodia. Êta saudade bendita!