UMA MANHÃ

Numa manhã qualquer, com meu fusca, que não é preto, deparei-me com um considerável grupo de urubus, que se banqueteavam com um guaxinim atropelado. Senti um aperto no peito pelo guaxinim e acelerei o fusca para espantar as aves de rapina, que apenas se espalharam dando pequenos saltos no chão com as asas abertas.

Fiquei aborrecida com a visão, porém pensei que ao menos o guaxinim já estava morto, ao contrário de tantos filhotes de pássaros, que ainda no ninho, são trucidados pelos gaviões ou engolidos pelos tucanos. Pobres mamães pássaros que veem seus filhos serem mortos e nada podem fazer.

E como um pensamento leva a outro, lembrei-me de uma outra manhã, na mesma estrada, quando uma majestosa garça branca, solitária, bem diferente daquelas que vemos em bando cruzar os ares no amanhecer e no entardecer. Aquela era gigantesca e sempre só, rasgava o espaço entre os urubus que alçavam voo para, de carona nas correntes de ar, ganharem o céu em altitude e graça no seu voar deslizante, como se patinassem artisticamente no firmamento azul.

Assim a natureza de Deus se nos apresenta: ora cruel, ora desfilando beleza ante nosso olhar extasiado de graça. Momentos sublimes e únicos, que precisamos estar atentos para percebê-los e apreciá-los.

Também eu já me vi na garça solitária e errante, perdida no espaço, ora passando pelos urubus, ora no chão à beira do lago, faminta, apoiada a uma perna. Outras vezes, fui urubu nas alturas, de asas abertas, planando ao sabor do vento; e quantas vezes o pobre guaxinim atropelado pela velocidade e indiferença da vida que bate forte nos deixando prostrados, inertes no chão.

E assim segue o pingue-pongue dos dias, onde somos a bola lançada sobre a rede em suaves raquetadas para lá e para cá, no ar, no chão, direta, esquerda, mas sempre em jogo.

Suely Buosi
Enviado por Suely Buosi em 08/07/2020
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