MARDITO EDIFÍCIO ARTO
 
“Se o senhor não está lembrado
Dá licença de contá:
Que aqui onde agora está
Esse adifício arto
Era uma casa velha
Um palacete assobradado.”
                  
                (...)
                                            
Ouso abiscoitar do poeta Adoniran Barbosa o introito para o meu texto.
Tem tudo a ver. A começar pela sua heresia do avanço imobiliário que viera – segundo ele – roubar-lhe a sua “Saudosa maloca!”

No meu caso, é um pouco diferente. Moro num modesto apartamento de três quartos cuja janela do meu, dá para o leste. Logo mais à frente, há uma construção que estava paralisada por motivos aos quais desconheço. A paralisação estava estagnada num certo andar e isso me proporcionava uma visão de um nascer de sol maravilhoso. Ele adentrava a minha janela e, sem pedir licença, acordava-me. Às vezes, tinha vontade de fechar a cortina, expulsá-lo dos meus aposentos. Não podia fazer isso – conter-me era preciso. Levantava-me, saudava-o com um sorriso e as palavras de um: - “Bom dia, amigo sol!”

Ato seguinte ficava olhando, admirando, extasiando-me com as pinceladas dadas pelo amigo sol nas nuvens que teimavam em não deixá-lo iluminar o mundo. Era uma tela que faria Leonardo da Vinci corar de inveja frente à tamanha beleza plástica e a mistura das cores que o sol usava.

A construção do prédio em frente é recomeçada. Os andaimes pareciam subir à assustadora velocidade da luz para acompanhar o célere andamento da obra. A cada andar que sobe, a obra vai tolhindo a visão que tinha do lindo horizonte; vai impedindo a visita do meu amigo sol; vai dando alegrias ao invejoso Leonardo da Vinci que dava vinte (ou mais) gargalhadas do meu ódio. E a minha maloca já não é mais a mesma: É uma saudosa maloca – cópia do grande poeta –, graças à ganância da especulação imobiliária.

A lua, amiga de tantos anos e serenatas, também fazia parte das minhas alegres noites onde, da minha janela, ficava admirando-a no seu noctívago passeio milenar. Ela – sempre linda e altaneira – desfilava a sua beleza inigualável inebriando poetas, trovadores e menestréis. Esse desfile me fora usurpado pelo maldito edifício alto (Arto! É arto, viu? Humpf! Ops! Desculpa-me poeta Adoniram!) em construção frente à minha janela.

Hoje, resta-me lamentar e dar um adeus ao amigo sol; um até mais ver, amiga lua! E esse ‘até mais ver’ deve ser entendido como sendo até no dia em que o homem compreender que nada é mais belo que a própria natureza. Então – e talvez assim – ele se limitará ao algemar a sua ganância especulativa que vai – pouco a pouco – matando a beleza criada por Deus ao destruir tantas e saudosas lembranças; tantas e Saudosas Malocas!
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Altamiro Fernandes da Cruz
Enviado por Altamiro Fernandes da Cruz em 08/07/2020
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