Nada é devaneio quando se pode ir e vir

Observava a mesma paisagem que o olhar alcançava, dia após dia, por entre as molduras da janela. Em um mundo paralisado pela pandemia, aquela era das cenas cotidianas mais permanentes. Persistente, também era a natureza:

– As árvores todas continuam em pé – pensei alto, conferindo desde as maiores e mais próximas, até as mais distantes. O ciclone da madrugada anterior havia derrubado somente a eletricidade e as temperaturas. Havia feito quatro graus naquela noite. Mais uma noite após um dia que teria sido igual aos outros, não fosse pela intempérie.

Queria eu me manter firme e resistente como o cenário da praça, nem que fosse um pouco mais segura neste devaneio tão instável – por vezes íngreme como a subida à serra, por vezes em queda como as águas da cachoeira. Às vezes tempestuoso, tal o ciclone.

Ah!, se tivesse as certezas que as árvores têm, mas estou como o vento. Ora me carrego a outros invernos, quando sair de casa rumo à rua fria parecia a maior dificuldade a enfrentar. Ora me levo ao calor das praias, à liberdade do corpo no mar, à brisa bagunçando meus cabelos; queria saber de onde vem essa água agora me inundar de memórias que não sei quando iremos reviver.

De planos, tenho a viagem que os ventos insistem em fazer, com ou sem rumos previstos. Raízes no chão para quê?; elas servem para limitar os sonhos. Nada é devaneio quando se pode ir e vir. Difícil mesmo é apenas olhar pela janela a vida não acontecer.

Paradas no tempo, nem as plantas, presas à terra, ficam. Viajam com as abelhas e os beija-flores, passeiam com os ventos. Quero ser cachoeira e ciclone quando isso tudo passar.

Por Daniela Agendes