“VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO”?
POR JOEL MARINHO
Quem em algum momento da vida não ouviu falar essa frase: "você sabe com quem está falando"? Eu diria que todos, salvo talvez algumas exceções.
Pois bem, essa frase foi bastante discutida por Roberto da Matta no livro “Carnaval, malandros e heróis” quando ele vai falar sobre a formação histórica e social do Brasil baseado nesse sistema de privilégios o que acaba corroborando para o princípio da diferenciação social e também da corrupção.
Esse pensamento vem de muito longe, historicamente, desde o período colonial com os chamados “homens bons”, perpassou pelo primeiro e segundo império, quando os bacharéis se tornaram o ícone da sociedade brasileira.
Em pleno final do século 19, quando da luta de parte dessa elite brasileira passou a exigir mudança de regime político de Império para a República havia no fundo o discurso de mudança, mudança essa que nunca veio, ao contrário, só acirrou mais ainda e o “Você sabe com quem está falando?”, praticamente se eternizou no Brasil.
As famosas “carteiradas” de políticos, celebridades, doutores, policiais, e outros. Dependendo do papel ao qual ele desenvolve será o poder dele de abrangência para se sair de determinadas situações embaraçosas a qual por infelicidade o indivíduo se meta.
Enfim, chegamos ao século 21, e essa artimanha continua viva até demais entre os brasileiros e muitas vezes não precisa nem pedir, basta o outro saber que você ocupa um cargo maior que o dele na sociedade e já é liberado, seja para um atendimento diferenciado no serviço público ou privado ou para entrar em ambientes o qual só entraria se pagasse caro ou até nem entraria sendo um ser “comum”.
Em suma, o “você sabe com quem está falando?”, se tornou regra no Brasil, mesmo que lá no fundo quase todo mundo ache isso errado ou saiba que se converte em crime de corrupção passou a se tornar comum e foi transformado em outro termo altamente aterrador, “o jeitinho brasileiro”.
Semana passada em um episódio no Rio de Janeiro o qual veio a se tornar público quando um casal da chamada classe média usou de forma descarada esse termo quando filmava e destratava um agente do Estado que estava ali apenas fazendo o seu trabalho. Na ocasião o casal usou da posição a qual ocupa na sociedade de poder acadêmico para tentar desqualificar o trabalho de um agente em serviço e assim incorreram em várias infrações, infrações essas que são corriqueiras contra pessoas as quais não tiveram a oportunidade de estudar e conhecer os seus direitos.
Infelizmente para eles dessa vez a ação foi toda filmada e o agente público é doutor, o que importa muito na hora de uma decisão judicial, caso fosse um porteiro de prédio sem nível superior também exercendo as suas funções, provavelmente essa História seria diferente, a não ser pelo fato de ter sido filmado e a coisa ter tomado uma proporção nacional.
Eu particularmente fico pensando: o que passa pela cabeça desses seres humanos que por ter um diploma, um tipo de saber mais avançado, mais dinheiro ou ser uma pessoa pública pensar ter mais direito e ser diferente de outras pessoas?
Sem querer fazer pré-julgamento eu tento compreender, entender, mas sinceramente isso é algo quase entendível se analisarmos de forma rasa e sem buscarmos a raiz histórico-sociológica/psicológica dessa questão. Penso que mediante a esse caso e a tantos outros parecidos precisamos de fato desarticular nas novas gerações esse sentido do privilégio para grupos seletos do Brasil que se estende desde o período colonial.
Não há mais espaço para tantos privilégios, seja pela posição social de saber ou de riqueza, cor da pele, opção sexual ou qualquer outra, precisamos de fato mudar esse pensamento arcaico e andarmos para frente iluminado pela luz do futuro nos precavendo desses infortúnios pensamentos e ações do passado. Não dá para construir uma nova sociedade pensando da mesma forma dos nossos ancestrais há quinhentos, trezentos, cem anos atrás, ainda mais em um tempo que tanto se fala em igualdade humana.