O frio das longas noites

Embriagado me acompanho aos poucos

Começo ouvindo meus batimentos. Torço para que nada esteja errado e que mesmo sozinho eu consiga achar a falta que a noite traz sob o telhado. Não falta muitos dias para o inverno chegar, mas desta vez eu sei que o frio não vai novamente me abraçar.

No último ano eu estive na rua. Sentado no ponto a espera do amanhecer eu sentia frio e vontade de me aquecer. Mas nenhum agasalho eu tinha para me proteger. Estava ao relento e passar á noite inteira acordado me fazia sofrer ao mesmo tempo em que me dava prazer.

Saí de casa com dezoito anos. Antes que me colocassem para rua eu resolvi encarar a vida de frente e sozinho. Passava a noite inteira andando de um lado para o outro com uma mochila nas costas e com a libido queimando na tocha. Foram momentos onde me senti liberto e completamente sozinho.

Tentei a prostituição, mas este não era o meu melhor caminho. Não sou tão atraente e não desperto atração facilmente nas pessoas. Mas mesmo assim eu tentei na rua achar um meio que me ligasse a alguma independência. Conheci alguns caras, entrei em alguns carros e acumulei algumas histórias.

Mesmo assim eu ainda sou um tolo por achar que essas noites eram feitas para adquirir memórias. A realidade é que no meu mundo eu achava que tudo o que passei fez parte da minha história. Enquanto sentava no ponto e esperava o dia amanhecer eu ia aos poucos me distanciando de péssimas recordações. No fundo eu me sentia bem por estar fora de casa e mesmo sentindo frio eu não optava por voltar para onde o sofrimento reinava.

Sim, eu estive alucinado e um pouco fora de mim, mas não foi o tempo todo. Simplesmente não recusava o que me ofereciam. Acabei conhecendo algumas pessoas, tocando em alguns corpos e mantive o desejo por ir embora na mesma hora. Mas tudo é diferente quando o cheiro e o som do mar estão presentes. Passei noites fitando as ondas e desejando o calor do sol sob minha pele. Senti frio como nunca antes e sem nenhum agasalho me abraçava e fazia com que meus braços perdessem o tom gelado.

Eram noites em que ficava acordado. Andando de ponto em ponto em procura de algum trocado. Senti medo ao perceber que ninguém estava do meu lado e sem nenhuma ajuda eu tentei encarar com frio e fantasia a minha realidade. Era como um peixe de aquário nadando pelo mar despreocupado. Em busca de relações sexuais que compensasse este novo vazio e simpático buraco.

Nunca imaginei que viveria desse lado. Me lembro de passar de carro á noite pelo mesmo lugar onde estive. Vi prostitutas na rua e nunca me veio a cabeça que este seria parte da minha nova história. Mas não durou muito tempo. Não cheguei a sonhar com um destino melhor e nem acreditava que poderia ficar pior. Porém o que eu vivi naquela avenida me marcou por todo uma vida.

Ganhei sim novas experiências e vivências, mas foi tudo por consequência de noites sem prudência. O agora era incerto e sem visão de futuro eu me colocava á beira do meu próprio muro. Estava crescendo e creditando ao destino a cura do velho veneno que sem saber ao certo foi levando tudo o que matinha por dentro. Sem saber o porquê eu fui amadurecendo e procurando na vida um lugar longe do relento.

iaGovinda
Enviado por iaGovinda em 06/07/2020
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