CONTESTAÇAO OU CONSTATAÇAO?
Vou contestar Fernando Pessoa: o poeta não "é um fingidor", o poeta é um "semeador". Semeia palavras, semeia ideias, semeia sentimentos, semeia angústias, semeia ideologias, semeia esses grãos do saber, sem saber em que campo irão vingar e, quiçá, frutificar.
O poeta cultiva o hábito de crer que com qualquer tempo sempre é tempo. Tempo de manipular as palavras, mexer na "sopa de letrinhas" que colheu com anos de estudo, madrugadas insones, alvoreceres e crepúsculos incandescentes, aos quais dedicou seu precioso "tempo" ao saber, a explorar o inconsistente, a aventurar-se na fantasia, a deixar-se encantar com a mesma facilidade com que vêm a apatia, o entrave de ideias, a estagnação mental; as intempéries vêm só quando lhe falta inspiração.
O poeta não "finge que é dor, a dor que, deverás, sente". Dói-lhe! Dói-lhe o mundo! Sua alma agoniza e seus pensamentos são um torvelinho de toda espécie de prazer e de dor, imagináveis ou não. Ter alma de poeta é transcender a existência, é tornar-se essência de uma coisa, tão coisa, que não especifica, nem generaliza, mas, coisamente, explica-se no sentido do sentir. Só sentir!
O poeta fica, sim, "a entreter a razão" para esvanecer a realidade e pintá-la com os matizes que o sentimento lhe indica. A emoção suplanta a razão na arte da escrita, porém não a descarta. Ela está ali, a lhe indicar a dose certa a ser usada para temperar a vida, que se revela em um simples verso, ou se oculta no que fica subentendido nas entrelinhas.
Ser poeta é ter o universo contido na incontinência de um verso; é estar suspenso numa estrela cadente ou na cauda de uma nebulosa; é perder-se em mundos imaginários para encontrar-se na real magia do que é o viver; é revestir-se de vida para driblar a morte, não a morte física, terrena, mas a morte espiritual.
Poetar, poetizar... é politizar-se de vida e de mundo, para transbordar no rio do tempo, quando o tempo não mais existir, e os campos semeados continuarem a germinar.
Cleusa Piovesan
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