Um dia sem pressa
Ir dormir às 22h, sonhar sonhos nunca sonhados; acordar às 8h15, sem intervalo nem interrupções; espreguiçadela preguiçosa, três bocejos matinais, vagarosos e universais; tomar 500ml de h2o; às 8h30, não pontualmente, sem pressa, exercitar-se durante 45min de caminhada ao redor da praça mais próxima, de onde sairia, sem pressa, suado e com 600 calorias a menos; vagarosamente, retornar para casa, desviando-se da pressa das ruas; encontrar a televisão desligada, o café por fazer, a interessante desordem do lar; banhar-se de banho vagaroso e duradouro; em seguida, e sem pressa, saborear um pão francês com queijo minas e um copo de suco de laranja.
Um dia sem pressa, excelente para faltar ao trabalho.
Não pode ser um domingo. Domingo não serve para esse fim, que domingo já está adaptado a ser sem pressa. Domingo é meio "Bartleby, o escrivão", de Herman Melville. É, sem pressa, governado pela filosofia bartlebyana, segundo a qual o melhor caminho é o mais fácil de ser percorrido. Nada de custoso e complexo devemos deixar a cargo de domingo, que, de antemão, sabemos, assim como Bartleby, "preferia não fazê-lo". Conclui-se, sem pressa, que domingo é desapressado por natureza.
Penso em uma tarde de um dia sem pressa. Sem pressa, tocaria o ar, o metal, as vestes; encontraria essas moças que pagam lanche para os manos e parabenizaria todas pelo ato de amor e piedade cristã; reaprenderia a pescar, não peixes, mas os instantes dos dias; ressuscitaria o Ivan Ilitch, de Tolstói, para que aproveitasse um dia sem pressa; recolheria o rochedo do espinhaço de Sísifo; conversaria com Quincas Borba, o filosofo amalucado.
Penso em uma noite de um dia sem pressa. Uma noite igualmente dedicada a ser sem pressa. Ideal para nada fazer. Parecida com noite de domingo, só que sem Fantástico nem Corujão. Uma noite neutra, se possível, dessas apassivadoras, meio enluaradas e amalucadas também. Em homenagem às minas que pagam lanche para os manos, urge uma noite de um dia sem pressa.