Uma cachorra filósofa

Minha cachorra, chama-se Pitchula, antes que me esqueça, parece ser uma filósofa, como se estivesse sempre a refletir sobre alguma coisa e isso torna curiosa as minhas tentativas de contato. Eu a minha maneira tento compreendê-la através do olhar, já que não posso latir como ela, tentamos nos comunicar assim quase que por extinto. Meu ou dela? Tanto faz, descubro, para meu desconforto, que é ela quem está sempre a me interrogar.

Disfarço para que ela não perceba, falta-me humildade, mas ainda assim tento compreendê-la quando a pego olhando para o nada, mas com a mesma feição de reflexão que cabe ao seu gênero canino.

Será que por viver sozinho a cachorra esteja me animalizando, eu não tento humanizá-la... se eu fizesse isso, eu é quem não teria uma vida interior, eu é que seria a cachorra baleia às avessas a procurar preás em um terreno ariado que é minha própria vida.

Fosse outros tempos, nós milenares viajantes, estaríamos na Grécia, eu um cidadão ateniense e ela um Sócrates disposta a me fazer perguntas que me levassem a um autoconhecimento.

Preciso me lembrar de quem sou! Passo a mão em suas orelhas e as acaricio. Certa vez ouvi que eles, os cachorros, gostam disso. É meu jeito de dizer que a amo, ela por sua vez não precisa dizer que me ama, é o amor em quatro patas perambulantes pela casa ou pelo quintal. Eu seria egoísta se ficasse triste por pensar que não sou amado, que ninguém é capaz de me amar, tendo tanto amor aos meus pés.

A sua máxima produção filosófica ocorre quando ela vê uma mosca e tenta de todas as formas abocanhá-la. Um problema filosófico equivalente a busca de respostas para as grandes dúvidas do gênero humano, eu, agora, mais humano, sinto que é ela a buscar a mesma resposta para o seu gênero canino.