A casa da dona Maria do Carlote
Passei na Av. Benedito Valadres e olhei para o grande prédio que a CREDIPRATA está construindo. No mesmo quarteirão, quase vizinho deste, procurei pela casa em que morei na minha infância, alugada da dona Maria do Carlote, em frente ao posto de gasolina do Tibúrcio. Claro que a procurei dentro da minha memória. Ou dentro da minha saudade? Tinha janelas para rua. Janelas do meu quarto, ou melhor, do nosso quarto, meu e da Carla. Nós éramos muito agarradas uma com a outra. Tudo, mas tudo mesmo, fazíamos juntas. Uma amizade que dura até hoje. Certa vez, mamãe fez uma simpatia, após tentar todo tipo de tratamento para a asma que lhe acometia. Ensinaram que ela tinha de arranjar um jabuti. Mais que isso: o jabuti tinha de dormir debaixo da cama da asmática. Daí, acho que a promessa era a ronqueira e a chieira da doentinha passarem para o jabuti. No desespero para curar a filha, isso foi experimentado. Mamãe arranjou o tal jabuti, não sei onde, e o introduziu no nosso quarto. Ele era grande e lento. Grande também o nosso pavor de dormir com ele! Quem disse que pregávamos o olho? Nada de dormir! Difícil demais, o remédio, vontade demais de solucionar o problema de saúde, fé demais no lenitivo. Mamãe queria insistir no medicamento. Uma, duas, três noites mal-dormidas. Nós não dormíamos nem dávamos sossego para o resto da família. O remédio foi ineficaz, pela falta do uso correto e contínuo! - Suspenda a simpatia - decidiu meu pai, é impossível continuar com esse lenga-lenga toda noite! Desse jeito, todos nós vamos adoecer por ficarmos sem dormir.
O jabuti foi levado para o grande terreiro. Não sei ao certo o que houve com ele depois disso. Minha irmãzinha continuou doentinha... sarou depois de um outro tratamento médico. Terminando de escrever esse fiapo de memória, antes de ir embora, posso entrar nessa casa pelo pequeno jardinzinho. Em frente da porta da sala, um grande pé de manacá, tão perfumado e florido! Recebo o hálito fresco da casa, bem ventilada, com janelas e portas abertas. O calor é forte lá fora, no mês de janeiro. Dentro dela, fresquinho e cheiroso, com o delicado perfume do manacá... hummm! Que delícia! Pisco os olhos, para impedir que a emoção ague a saudade daqueles tempos, talvez em 1975, 1976... e dentro da casa, a Naná, arrumando tudo, cozinhando, ajudando a educar os três filhos do casal, meus pais. Ela está lá, vivinha da Silva! Quantas vezes fez chupe-chupe para comprar o pão para a família no desjejum! A molecada da vizinhança e os que passavam para irem à escola, sempre paravam lá para comprarem o refresco. Aiai, ficou tudo embaçado agora!...