Ontem no Trem - Mãe de Davi
Embarco no trem rumo ao lar.
Vendedor ambulante anuncia o cigarro que baixou o preço, pasmem, eu realmente não conheço nenhum produto que no momento atual que o país está atravessando, tenha diminuído de preço.
Mediante este fato e o marketing que o camelô estava fazendo, iniciou-se um papo sobre os absurdos do trem.
Uma senhora, aparentando cinquenta anos, branca, com sardas no rosto, simpática... Estava em pé próxima à porta comentou que seu filho pediu para que comprasse para ele quatro maços de cigarros e que venderia a dois reais cada cigarro.
Como assim, se custa dois reais o maço no trem? Perguntei espantada.
Ela então me contou uma longa história que passo a relatar para vocês.
“Então minha filha, eu venho da cadeia de Japeri. Meu filho foi preso há quatro meses e na ultima visita me pediu o cigarro. Falei que não compraria pois nem eu nem o pai dele fumamos e ele também não fumava antes e, portanto, não iria bancar o vício dele.
Ele me explicou que era pra vender, pois o chefão da cela tinha liberado. Como ele não fumava, podia vender.
Só assim ele me libera de ir toda semana. Pois ao vender os maços garante o dinheiro para compra na cantina da cadeia. As coisas são caras, por exemplo: sabonete: R$3.50; biscoito passatempo: R$6.50 e assim por diante.
Meu filho superou a depressão e busca empreender lá dentro ( um sorriso enorme de orgulho). Com o achocolatado e o leite ninho que levei, fez docinhos e vendeu para os colegas presos. “Com isso, evita que eu saia toda semana de Mangaratiba para Japeri e que eu falte o trabalho também.”
Perguntei qual o nome dele e a idade e ela me respondeu que tinha 20 anos e que se chamava DAVI. Que tinha sido preso por não pagar a pensão alimentícia, mas que já estava pra ser solto. Ela já tinha regulamentado a pensão e faltava só o papel que deveria vir de Brasília para sua liberação, segundo a defensoria pública.
Outra moça, que também ouvia a conversa, exclamou que era um absurdo ele ser preso só porque não pagou a pensão. A mãe de DAVI respondeu que não achava um absurdo e enfatizou: “se ele fez o filho terá que sustentar. Eu avisei.”
Fiquei espantada por tamanha consciência, vindo de uma mãe.
Ela só lamentou que o filho ficasse no meio de vários criminosos e que a cadeia realmente era feita para punir e tornar as pessoas mais revoltadas e não para tentar resgatar da vida do crime.
Ela disse que no início achou que o filho não iria suportar tamanho “terror”. Que é um submundo dentro do submundo, que quem está aqui fora não pode nem sequer imaginar. Mas que agora Davi está até bem e só lamenta por ele não ter saído antes. “Disse com um sorriso nos lábios:” Está custando muito caro ao governo ele lá dentro. Saiu o auxílio reclusão de R$1.200. Ele aqui fora ganhava um salário mínimo!”
Percebi que Davi ganhava mais lá dentro do que aqui fora!
Continuou seu relato: “Davi foi pai aos dezesseis anos e a menina tinha vinte e cinco anos”. Ele é um menino bom. Seu problema é Mulher.
Ele tinha uma namorada, essa que depois que conheceu deixou de dar pensão para filha. Pois bem, ela já está com outro. Ele pergunta e eu não tenho coragem de dizer a verdade, desconverso, não minto porque não gosto de mentiras. Quando sair ele verá.
O patrão disse que daria o emprego de volta assim que ele saísse. Ele é um bom menino”.
A mãe de Davi está esperançosa, aguardando os 20 dias que faltam para sua libertação.
Minha estação chegando e ela completa: “Minha filha quem sofre são os pais. Você precisa ver os pais velhinhos na fila todos os dias de visita, faça sol ou faça chuva. Só eu consegui liberação para visita e é um grande sacrifício que faço. Estou feliz, mas com muito medo. Meu filho era um menino bom e já não tenho tanta certeza daqui pra frente... Foi muita podridão minha filha... Meu filho disse que nunca mais dormiu uma noite inteira depois que foi preso, ele reveza com o colega todas as noites. Muito triste minha filha... Você não é capaz de imaginar... Só vivenciando. Vai com Deus!”.
Chegou minha estação, me despedir e desejei de coração toda a sorte do mundo para DAVI. Espero sinceramente que sua estrela brilhe. Que não seja apenas uma má experiência, mas que seja a lição de sua vida.
Quantas mães de Davi que estão chorando, sofrendo , lutando e presas juntinhas com os filhos? Sim, o corpo aparenta até estar livre, mas não totalmente, pois seu pedaço está lá. A alma fica acorrentada, torturada, amargurada e acredito que tenha constante indagação a martelar na cabeça: Onde falhamos?
Os pais criam, educam e nem sempre os filhos saem ou se portam como o planejado, como o ensinado... Eles não vêem com um manual de instruções.
Nestes dias conturbados deixo este relato para uma reflexão sobre este triste fato. Oxalá que a sociedade não condene as mães juntamente com os filhos! O fardo dessas criaturas já é tão pesado!
Que possamos fazer uma corrente de amor e solidariedade para as mães deste Brasil de muitas histórias iguais ou piores do que a do DAVI.
Que a proteção divina recaia sobre nossos filhos!