Permita-se um pouco de tristeza
Sim, é isso mesmo. O assunto é tristeza. Calma, não precisa sair correndo. Ou me trazer um antidepressivo. Eu sei que é difícil falar sobre a tristeza. Ninguém gosta dela. Tadinha! Se você assistiu ao filme Divertidamente, observou que o filme representou muito a nossa relação com esse sentimento tão controvertido: a Alegria passa o filme todo tentando se livrar da Tristeza, no entanto, descobre como é importante sentirmos, em alguns momentos, esse sentimento.
Como qualquer pessoa, eu tenho os meus momentos tristes. Todavia, eu não tenho medo deles. São meus companheiros. Se eu disser para ti que hoje acordei triste, que não queria sair da cama, que mesmo o dia estando lindo, com o céu azul e o sol emanando sua tão revigorante luz, eu só queria ficar no meu cantinho com pouca luminosidade, o que você diria? Provavelmente você me diria que eu deveria me animar, levantar e aproveitar o dia. Ou me recomendaria falar com o meu terapeuta. Ou o mais provável ainda, se afastaria de mim, como se tristeza fosse uma doença contagiosa.
Se eu disser que hoje não foi um bom dia, que não saiu como o planejado, que eu não tive energia para fazer as coisas mais simples, como tomar um banho, trocar de roupa ou sair para fazer compras, que levantei tarde e fiquei agarrada com uma caneca de café e olhando a vida pela minha janela, você se assustaria?
Se eu disser que não tive vontade de nada, o que você me diz? Se eu disser que eu aparentemente estou bem, que nada diferente ou ruim aconteceu, mas o cansaço da vida me atingiu em cheio hoje e eu só quero existir sem sair do meu lugar, como você reagiria?
Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa que deve ser erradicar ao menor sinal de um primeiro sintoma. Sei que é desconfortante esse sentimento, mas ele é tão necessário quanto a alegria ou o medo. Contudo, não o culpo por não querer falar sobre isso. A verdade é que não toleramos a tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém. Ficamos apavorados a menor ausência de sorriso. Vontade de chorar à toa causa histeria.
Bom, a verdade é que não acordei triste hoje. Nem um pingo de melancolia. Tudo por aqui está normal, o que é ótimo. Entretanto, se tivesse acordado triste, com vontade de chorar e ficar sozinha, tudo bem também, tudo normal. Porque ficar triste também é um sentimento legítimo, comum, um nuance de minha sensibilidade tão intensa, que às vezes me causa problemas, mas me faz tão plena como pessoa. A tristeza é um registro da sensibilidade humana, a mesma que me faz gargalhar em público, buscar a solidão, chorar ante o sofrimento alheio ou próprio, me retrair por algo que me assusta, me lembrando que estou viva.
E, por favor, não confunda tristeza com depressão, porque esta é algo muito sério, contínuo e complexo, e não brinque com isso. Estar triste é estar atento a si mesmo e ao que ocorre ao redor, é estar decepcionado com alguém, é estar cansado um pouco da rotina, é descobrir-se frágil e passageiro, é se questionar qual é o seu firmamento, é todas as razões e aparentemente não ter nenhuma – as razões são tímidas e fazem charme para serem descobertas. É um estado natural da vida, que sempre pressente a alegria ou vice e versa.
Sei que pega mal sofrer, não gera história tão atrativa – a menos que tenha um final feliz hollywoodiano, mas esconder a tristeza é negar a realidade. É melhor colar um sorriso no rosto, desamarrar a carranca e exclamar que está tudo bem. Muito se fala de tristeza, mas pouco se compreende dela, pois sempre há a urgência de disfarçá-la, sufocá-la, vesti-la com a roupa da felicidade. A coitada só que ter o direito de existir, de usufruir de um espaço numa sociedade que prefere farra e verborragia ao silêncio sensitivo. É melhor se alegre que triste (acho que isso é um poema ou uma música), mas o melhor mesmo é não se privar de tudo o que deve sentir.
No período do isolamento social que nossa realidade nos impôs, muito desses dias eu passei ao lado da tristeza. E que grande aprendizado eu tirei desses dias mais introspectivos. Havia dias que não queria oba oba, não via sentido em ficar alegre por ser uma obrigação. Desses dias eu tirei muitas reflexões e autoconhecimento. Tem dias que não estamos para samba, reggae, forró, sertanejo, só queremos aproveitar a quietude. Por isso, permita-se um pouco de tristeza. Daqui a pouco a gente volta, exultante, anunciando o fim de uma dor – pronto para a próxima, pois, normais que somos, é comum, é a vida.