Da universidade ao ministro
Quando entrei, como aluno, na Universidade Federal de Juiz de Fora – ainda muito jovem nos idos anos 70 – sabia eu que existiam doutores no mundo; afinal eu assistia às missas e não raras vezes tinha ouvido falar dos doutores da Igreja. É claro que no meu universo de criança e adolescente havia os doutores médicos, engenheiros, dentistas e advogados, aos quais minha família sempre reverenciava com o título de doutor
Doutores para nós (e era o senso comum) eram pessoas graduadas e isso nos bastava. Àquela época, adolescente ainda, talvez eu só tivesse passado perto de um doutor acadêmico algumas poucas vezes na vida. Era o padre Leopoldo Krieger, diretor da Academia, que eu sabia ser doutor pela Universidade de Münster, na Alemanha. Mas, crianças que éramos, não nos preocupávamos com essas coisas, e tínhamos pelo padre o respeito que se devia ter ao diretor. Curtíamos mesmo era o Dionísio, o Mário Roberto, o Nahim Miana, o Guilherme, o Juarez Venâncio, a dona Marta (e tantos outros) – nossos professores, que nos acompanhavam naquela faina do saber. Certamente não eram doutores e isso não importava nada, nada mesmo. Eram conhecedores e aos seus nomes antecedia um prof., muito simpático – um verdadeiro pronome de tratamento.
Na universidade, alguns dos antigos mestres me ensinaram de novo. Instituição recém-fundada, a universidade congregou várias faculdades e federalizou-se. Alguns anos depois, os professores se tornariam mestres e doutores obtendo seus títulos no Rio Janeiro, até onde sei. Mas meus mestres e doutores (considerava-os assim), na verdade, eram, oficialmente, professores (e era mais do que suficiente!). Exibiam aquele prof. tão honroso, tão bonito, por que me encantei e usei, durante muitos anos, precedendo ao meu nome nas avaliações e apostilamentos, após lograr a cobiçada licenciatura, da qual vivi e ainda vivo. Acho tão simbólico que os fundadores da universidade não ostentassem títulos, mas formaram tantos que depois seriam titulados graças àqueles alicerces dos pioneiros. Era de muito agrado ouvir e aprender com o José Ribeiro, o Antônio Gaio, o Weitzel, a Nadime, a Nazaré, o Levi Reis – à época, professores.
José Ribeiro foi dos primeiros sobre o qual ouvi falar que ia ao Rio buscar o título de mestre. Nem sei se ele o obteve. Ficou dele aquela imagem do estudioso, do homem culto que sabia latim, que pronunciava bem o inglês, que nos interpretava o Mattoso Câmara. Um fundador! Um pioneiro a que muito deve a nossa universidade local.
Falei de uma universidade sem doutores. Hoje, até onde sei, parece ser condição indispensável esse título para que se conquiste a docência universitária. Os pioneiros, atualmente, não teriam cadeiras em suas casas de ensino. Sinal dos tempos! Sinal da evolução das ciências, que está a exigir cada vez mais e mais qualificação – o que se faz realmente necessário, embora, talvez, haja certa dose de exagero nas exigências e, talvez, até mesmo de injustiça!
Este registro poderia terminar na exclamação anterior. Mas não se preocupe o leitor, já que caminhamos para o fim. Por que passeei tanto por esses temas que me são prazerosos? Certamente, fui levado a eles pelo incômodo pessoal com a saída do ministro Decotelli, em razão do currículo inadequado – com o adjetivo flagrantemente eufêmico. Não há dúvida, houve um erro e dos graves!
Estou longe, muito longe de aplaudir o vasto conjunto da obra do presente governo; distante também estou de ficar torcendo pelo fracasso. Talvez por isso, a figura do ministro escolhido (não me inteirei da sua vida pregressa) pareceu-me simpática – depois vi que causara boa impressão nos comentaristas e pessoas especializadas. Enfim, teríamos um ministro da Educação com educação, o que, no contexto atual, já seria um bom começo.
Era impossível que as inconsistências curriculares (outro eufemismo!) não viessem rapidamente à tona e parece não haver dúvida de que, sendo o ministro um homem negro, a gravidade seria penalizada com o devido peso, sem as condescendências. Seria bom para o país um homem negro, carismático, graduado (por que não?), no ministério; aliás, para ser ministro da Educação, não há pré-requisito de titularidade.
Lá na minha universidade, de que falei, quando iniciei a graduação, éramos um grupo grande – várias moças, poucos rapazes, entre os quais um negro, o Sérgio, que era pobre, adoentado e não concluiu o curso. Certa feita o visitei e eu, jovem humilde, saí de lá me considerando uma pessoa rica. Imagino agora se ele tivesse se formado. Quanta luta! Quanto padecimento teria vencido! É possível que o ex-ministro – que nem tomou posse – tenha tido lá os seus muitos percalços para chegar aonde chegou e bastava ter dito no currículo só o que realmente era, e já seria uma pessoa vitoriosa, e, no futuro não muito distante, sua gestão seria avaliada por dissertações e teses acadêmicas. Um sem-título no livro dos titulados. Lamento muito!