AOS MEUS DOIS FILHOS
Nosso eco mais lindo, por vezes límpido, por vezes encardido, lotado de rebarbas e chicotadas.
Feitos num momento de gozo, quando só prazer prevalecia, quando só amor dedilhava, quando só gostar mandava.
De pequenos grãos se tornam gigantes de alma, de caminhar, de cerzir, de reluzir.
Quando olho os dois meus, me vejo um pouco no seu olhar, no seu cheirar, no jeito de caminhar, de voar, de ancorar.
Ao mesmo tempo, apalpo neles minhas tantas imperfeições, minhas tantas rebarbas, minhas tantas fuligens, minhas tantas agruras.
Para os dois meus, daria todos meus dias, todo meu ar, todos meus trunfos, todos meus passos, todo meu tudo.
Mas quando estas criaturas se rebelam, cuspindo nos
pratos comidos, rejeitando o calor doado, os versos doados, o pão doado.
Dá vontade de arrancar o coração de cada um com os dentes, bagunçar cada sentido de suas almas, destruir cada miligrama do seu sangue.
Mas, apesar da raiva que esvai sem estancar, logo prevalece o melhor do querer-bem, o melhor do afagar, o melhor do embalar, o melhor do melhor e do melhor.
Então podemos retomar nosso curso original, nosso aninhar original, nosso amamentar original.
Daí vamos em frente, tecendo o chão que os céus mandam, lapidando o aço que a vida nos brindar, ou nos punir, ou nos abençoar, ou nos arrematar.