O sertanejo
Às três e meia da tarde foram buscar os cavalos para serem selados. A companhia ia passear e visitar os "agregados". Muita alegria e um pouco de ansiedade por causa disso. Terras de fazenda, baianas, de colinas verdes, empastadas. O gado nelore, em alguns pontos, lembrava um tecido estampado de poá, verde, de bolinhas brancas... bonito demais! A prosa arrastada, preguiçosa, cheia de regionalismo. Os cavalos relinchavam de vez em quando, assustando as crianças, que davam risadas ao final. Aquele rebuliço em torno da tropa. Tudo pronto, o povo monta nos animais e o passeio começa. Alguém faz cócegas na virilha do cavalo, só pra ver ele dar uns pulos. O povo ri desse improviso. E lá se vai a tropa, animada! O retireiro vai mostrando o gado de leite, que pasta no retiro. Há crias novas, sempre perto de suas mães, vigilantes. O sol é forte e o calor faz ondas à frente, a partir do chão... Depois de uma porteira aberta por um cavaleiro que tomou a dianteira, daí a pouco, avista-se o arvoredo que guarnecia a casinha de barro, pobre e pequenina. Mais um pouco e ela se apresenta, humilde e bonita. O terreiro, de terra batida, tão limpinho e bem cuidado. A comitiva vai chegando, barulhenta e animada. O povo apeia, encalorado. O casal de sertanejo, aparentando uns 80 anos de vida, saiu de dentro da casinha para receber os visitantes. Alegres, vergonhosos, com o sorriso mais lindo, mais limpo, mais bonachão que já se viu. Ele, magro, de calças e camisa aberta. Podia -se ver ainda os músculos nos braços e no abdômen. Gente que tirou o sustento da família dos braços, na lavoura de aipim, de cacau e de milho. A mulher, alta, magra, de coque. Saia e blusa claras, de pano. Ambos, descalços. Trabalhadeira, asseada e caprichosa. Trouxe a bilha com água fresca e doce. Os copos de alumínio, tão limpos e areados, servindo o líquido refrescante. Todos na soleira da cozinha, procurando se esconder do sol escaldante. Alguns, à procura de frutas da época, como goiaba e ingás, mangas e jacas no pequeno pomar. As crianças, correndo atrás dos gatos... Lá embaixo, o córrego passava com suas águas clarinhas e frescas. Podia-se ver a pedra grande, lisinha, limpa e arrendondada na beira d'água, usada pela sertaneja para quarar e lavar a roupa da casa. Entabularam a conversa. Os ouvidos mineiros, atentos e curiosos com tantos termos regionais, pelejando para entender completamente a prosa. Êta Brasil grande esse! Que maravilha podermos compartilhar de tanta diversidade! Sem pressa de ir embora, mas encerrada a visita, o povo se despede do casal de sertanejos, enquanto os homens apertam os arreios e ajudam as mulheres a montarem seus cavalos. O calor está mais brando e a volta será menos desgastante, por causa do calor. Foi uma tarde diferente... Naquele tempo, podia-se visitar e ser visitado. A demonstração de afetos era combustível para a vida dura na roça. Importar-se com o outro, significava querer estar por perto para prosear numa tarde qualquer, depois da lida diária. Tempo bom...