Mestre Sanhaçu
O sanhaço desceu no galho da mangueira em frente à janela do escritório, ainda há pouco. Cheguei cedo ao serviço, às sete da manhã e a primeira coisa que vi ao abrir a janela foi a plumagem azul-acinzentada dele. No caminho , quando vinha, escutei no rádio que os termômetros marcavam nove graus de temperatura, início de inverno. São Paulo está ainda mais fria. A rua ali fora é agitada, mão dupla, ruidosa, mas há árvores no canteiro central e na calçada. Que sorte desses bichos de pena que ainda tem onde se abrigarem nesse tanto de concreto e asfalto.
Não é preciso muito pra viver, o bicho mora na árvore e se alimenta do que o mundo generosamente produz, tira só o necessário. Enquanto isso a especulação imobiliária comprime o espaço entre paredes e o vende a preço de ouro. A comida é fast-food em embalagens de lata, papel, papelão ou plástico e perde a sua essência. As distâncias são suprimidas pela velocidade, mas o calor humano pela virtualidade. Os postos de gasolina brotam como erva daninha e o ar é tragado pelo petróleo. Nessa equação muito é sempre pouco e a riqueza material de poucos é assentada na miséria de muitos. O deus mercado pastoreia e do capim, não sobra nem a raiz... o que brotará depois?
O frio que fere não vem desse ar polar que invade a cidade, vem dos CPF e CNPJ e suas almas precificadas. O super-homem tem alma de gelo e busca a sua existência nas ofertas do mercado. No ter cada vez mais a conta não fecha. Coisas como a luz do sol, a lua e as estrela, o ar e as água das chuvas não se compra por ai, o sanhaço sabe bem disso. Ele não tem nada, ele é apenas um ser no galho de uma árvore em meio ao caos antropofágico.
Tem-se muito que aprender com o sanhaço, ter o suficiente para que todos possam ser.