A saudade que mais dança sapateado no meu chão de estrelas e de giz tem nome e sobrenome e pertence a uma amiga que partiu cedo para o portal do encontro com suas verdades absolutas. Sem nenhuma carta ou bilhete, a “famigerada” se foi, num espetáculo bem discreto, durante uma de suas maiores crises de depressão, por overdose medicamentosa, os (d)anos foram cruéis!
Ela tinha um medo danado de virar personagem de minhas crônicas, prosas e contos. Toda vez que vivíamos algo espetaculoso a frase pronta era certa: Não me faça protagonista de suas piadas inteligentes. Primeiro porque posso não entendê-las, segundo porque não tenho queda por pano de chão. Soube ela, pouco antes de sua partida, que ao menos 12 pseudônimos recebeu, arbitrariamente. Mas cria, por sua inocência, existir muitas “Ninas” por aí.
Dizia com ternura que eu era a pessoa responsável por buscá-las (nossas amigas) na viagem do balão dos sonhos (era uma constatação para todas). E no fundo eu era, sou. Estourava o balão com o alfinete do mais e se...
Certa vez, se iludiu com a ideia de encontrar seu pai biológico que foi embora (junto à prestadora de serviços de engenharia a qual estava vinculado), prometendo vir buscá-las (a mãe e ela) quando enfim nascesse. Encontrou vestígio da presença do dito cujo na Flórida. Tentou diversos contatos, mas não obteve êxito. Decidiu viajar para o outro lado do mundo. Juntamos o dinheiro e lá se foi a “demente”: sem endereço, sem detalhes, buscar o homem de sua vida. Apenas pra perguntar por que a viagem de volta demorava tanto. Mas como o universo não era bom parceiro de cartas de baralho, a garota propaganda da Colgate e rainha de copas, viveu alguns tropeços, nada usuais: o rapaz que era pai, um homônimo apenas, a foto da internet era uma fraude (era negro, porte pequeno e olhos grandes) ao vivo e a cores, já ela, a ruivinha de olhos azuis e cabelos lisos escorridos, foi praticamente enganada pela expectativa do amor que foi gerado bum ventre “pãe”. 
Como se miséria pouca fosse bobagem, suas malas foram extraviadas, perdeu passaporte e precisou de um resgate material e estrutural para conseguir tomar um banho (que fosse). Não falar inglês pesou no dorso.
Depois dos contratempos, já de volta ao aeroporto verde/amarelo, lá estava “me” para resgatá-la. Queria correr, dar um abraço e dizer que sentia muito, mas como o rótulo não permitia, disse logo, “sem dar esmola pro mendigo”: - Eu avisei! Pode pegar sua cara no chão! E nem rendi assunto. Eram sentimentos vulneráveis por demais caindo do meu pote, separá-los seria improvável.
O trem das cinco passou atrasado hoje, a buzina soou estranha, como se tivesse uma mensagem além do som. Fez-me lembrar quando Nina e eu tínhamos 17 anos. Ela gritando no portão, dia sim, dia não, impreterivelmente, na hora do trem. Soube, no ano passado, que se apaixonou pelo maquinista e o horário dele era esse, fixo, por isso nunca se atrasou pro chá das cinco. Sempre eufórica perguntando as horas.
A lembrança me fez correr nos diários antigos e descobrir que o universo mandava mensagens, afinal, seria seu aniversário. E comemoraríamos comendo bolo e pipoca com água(com gás).
Olhei pro maquinista pela janela com a sensação de que estava dizendo alguma coisa, e no fundo ele estava...
E Nina virou personagem principal de sentimentos bons de uma saudade que acasala no coração e na alma, fazendo doer no peito, num sincronismo perfeito: a dor da saudade e do amor.
O trem perdeu sua hora... O trem das cinco. Nina desembarcou antes...

 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 01/07/2020
Reeditado em 02/07/2020
Código do texto: T6993321
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