O BOM DE SER CRIANÇA

O BOM DE SER CRIANÇA.

Manias de criança

Autor: Moyses Laredo.

Crianças! Quem não conviveu com elas, não sabe o que escondem em suas mentes. Um belo dia, deitado na rede da varanda, ouvi, uns gritos alucinantes, vindo da sala precedido de um estalado alto de vidro partido, igual, quando se quebra propositalmente uma régua de plástico. Em seguida vieram os gritos alucinantes de pedidos de socorro. De um salto me pus de pé e cheguei na sala, o que vi me tomou de grande susto e medo ao mesmo tempo. Os dois arteiros ele de 8 e ela de 4 anos, armaram mais uma, desta vez se superaram. Imagine que, essa brincadeira foi longe demais, e foi única, até porque, não caberia uma segunda chance. Na sala, existia uma grande mesa retangular com 8 lugares, com um detalhe, o tampo era inteiramente de vidro, e naquela época, não se falava em vidro temperado, as indústrias, forneciam vidro comum. O tampo da mesa, tinha 10 mm de espessura, bem grosso. A história foi a seguinte. Não sei o que se passou nas suas cabeças desmioladas, para criarem essa brincadeira. O maior, se pôs por baixo da mesa, deitado sobre as cadeiras, arrumadas feito uma cama, com a barriga colada no tampo de vidro. A menina então, em pé numa cadeira, que sobrou da “cama” dele, se jogou de barriga com os braços abertos, certinho em direção ao seu irmão, como se quisesse dar-lhe um abraço, só o que tinha entre eles, era o tampo de vidro comum. O esperado, não por eles, aconteceu, quando ela se jogou, o vidro se partiu em lâminas de várias espadas, em cima do menino, as bandas quebradas se inclinaram aumentando a pressão em cima dele, qualquer movimento deles, uma das espadas poderia perfurar seus corpos, ou nos olhos, ou no intestino. Assim foi a cena que encontrei quando adentrei à sala. Vi um em cima do outro com um monte de vidro estilhaçado entre os dois, procurei com os olhos alguma mancha de sangue, graças que não vi nada. A minha reação foi instantânea, gritei para ninguém se mexer, ficar completamente imóvel. O avô deles estava presente e me ajudou a desfazer a loucura, até então, não tinha ideia se haviam se feridos. Lentamente retirando a menina de cima, pegando-a pelos braços e o avô pelas pernas, a içamos feito uma carga de container, e, ao mesmo tempo, verificando se havia sofrido algum ferimento, ou tinha alguma lâmina de vidro em seu corpo, ou pregada nas roupas, graças que nada, havia-lhe acontecido. Depois, foi a vez do menino que muito aflito e choroso pedia, – “Pai, tira logo isso de cima de mim.” Calma, repetia sempre para ele, mantenha seus olhos fechados, a gente primeiro vai tirar tudo de cima de você, mas bem devagar. Ainda existia o risco de uma espada daquelas feri-lo, riscando-o na pele de tão amoladas que eram, ou as grandes lâminas de vidro que faziam pressão sobre ele, afundar e cortá-lo. Assim foi procedido, lentamente, retirou-se todas as grandes placas de vidro e as suas lâminas, como espadas, que ficaram inclinadas fazendo peso na barriga dele, para depois, retirar-se os pequenos cascos de vidros de cima, por fim, certificamos que não mais havia perigo, até cheguei a varre-lo com uma vassoura, pois ao se levantar, poderia ter algum caco escondido que poderia feri-lo, em seguida, o puxamos pelas cadeiras e ele veio junto. A sorte foi que, ao examiná-lo ele ganhou apenas alguns arranhões na pele da barriga, como as marcas de um azunhar de gatos.

Eram arteiros, suas infâncias foram de aventuras. Na rua de casa sem trânsito, passavam o fim de semana, quando não íamos para a chácara, se divertindo juntos com outros amiguinhos, uma turma de mais ou menos umas 12 crianças, todos filhos dos vizinhos, gentes boas. Quando ela retornava, para o almoço, estava irreconhecível de tanta sujeira, com a roupa que não servia mais pra nada, ao entrar em casa, eu a impedia, dizia que ela não podia entrar, porque não era minha filha, estava muito diferente, a minha filha é linda, dizia-lhe. Da varanda não passava, ela se desesperava, mas, nós tínhamos uma identificação própria, criei para o caso dela se perder, eu a identificava por um dente molar, do fundo da boca, apenas por diversão, não havia nada de diferente, todos os dentinhos eram iguais. Com a boca aberta, ela me mostrava o seu último molar, dizendo, - “Sou sim pai, sou sua filha, olha aqui olha”, eu recusava olhar para aumentar sua aflição, ela insistia, pedia ajuda do mano que sendo maior, já entendia a brincadeira, também confirmava comigo que não era a sua irmã. Depois de algum tempo me seguindo e mostrando o dente, eu por fim, decidia olhar e dava aquele pulo de alegria por reconhecê-la, ficávamos abraçados pulando, ela sorria satisfeita, depois, ia direto para o banho e voltava toda linda e cheirosa, dizendo, - “Veja pai, como sou mesma a sua filha”. Findava a brincadeira com mais beijos e abraços.

Eu gosto muito daquele vinho Liebfraumilch (leite da mulher amada), sempre havia uma garrafa em casa, tinha um plástico que as encobria, dando-lhes a cor azul tão característica da marca. Um belo dia, sem querer, resolvi uma questão que havia entre os dois, um culpava o outro de um mal feito. Quando eu entrava em casa, os dois vinham correndo em minha direção contar os fatos, cada um ao seu modo. Só de ouvir as histórias, já sabia quem era o autor, mas, nesse dia, resolvi inovar, peguei a garrafa de vinho ainda fechada, e a coloquei sobre a mesa, depois, perguntei pra garrafa: - “Garrafa azul, garrafa azul, do rótulo encantado, me diga qual dos dois é o culpado!” depois de um silêncio, vinha a resposta da garrafa em forma de pensamento, - “Ah, então foi ela mesmo?” em seguida, a olhava fixo, que já começava a chorar, - Foi ela mesmo, apontava o irmão, que mexeu nos seus lápis de desenho e quebrou todas as pontas. É claro que era ela, ele não faria isso, aliás, até desenhava comigo. Assim foi feito, era batata, eu passei a certar todas sem dificuldade, então, uma ocasião, estava eu diante de uma nova questão, entre os dois e imediatamente mandei ela buscar a garrafa, ela trouxe, só com um detalhe, a molequinha tinha removido o plástico azul, trouxe-me uma garrafa branca. Mesmo assim, tentei falar com a dita garrafa mágica e ela “não me respondia” eu cheguei a “esganar” a garrafa, sob os olhares dela com um sorriso maroto, preso nos lábios. Por fim, desisti de falar com a garrafa. Ela ganhou nesse dia, eu não descobri que era ela a culpada, como se já não soubesse. Desisti de consultar a garrafa azul, se não, ela iria descapelar todas as que tinha no meu estoque.

Quando a traquinagem era muito, a penalidade eram bolos de sandália nas mãos. Eles próprios iam buscar as sandálias, sempre escolhiam aquelas tipo pantufas, bem almofadadas, que não machucava nem que se pudesse bater com toda força, na verdade, nunca tive a intenção de provocar dor neles, queria que sentissem a humilhação do castigo, de levar os bolos, mesmo assim, pedia seriedade, não admitia que rissem, aquele que se ria, eu aumentava a quantidade de bolos, e também, eles passariam mais tempo com as mãozinhas estendidas.

Uma das diversões preferida, era me aprontar para trabalhar, nessa época usava traje completo, e “esquecia de vestir as calças” todo pronto, com meia, sapato, cueca, camisa manga comprida, gravata e paletó, me levantava da mesa do café para sair, quando a menorzinha notava, corria para me avisar antes que eu saísse para pegar o carro de dentro da garagem, o desespero começava ai, a luta dela para me fazer ver, tentava de todos os modos me avisar, eu me fazia de desentendido, dizia estar com pressa, - “Me larga menina chata, me deixa sair, não me atrapalhe, estão me aguardando”, dizia-lhe me fazendo de irritado. Ela corria e ficava na porta com os braços abertos empatando a minha saída, - “Pai, você não pode sair assim, vão te prender, você está sem as calças, olhe para baixo”, eu olhava, para os sapatos, e dizia, -“Não estou vendo nada demais, o que está acontecendo com você?” Ela ficava cada vez mais agoniada comigo, e eu, insistia em sair. Quando sentia que ela estava se aperreando muito, finalmente via que estava sem as calças e ficava morrendo de vergonha, corria para vesti-las e a agradecia muito por isso, tudo era por pura diversão, adorava vê-la se preocupando comigo, era um amor.

Molar
Enviado por Molar em 30/06/2020
Código do texto: T6992677
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