Pesar Junino

É mais um mês em um ano pelo avesso, é mais um mês confinada nessa quarentena que parece não ter fim. Era para ser o nosso mês, o nosso São João, o Carnaval dos nordestinos.

Bem, cada um esta se virando como pode nesse período, eu numa dessas tardes de junho comecei a ler as Antologias de Crônicas do Herberto de Sales e me deparei com Escombros de Junho do Heitor Cony, que lá nos anos de 1960 já dizia assim: “mas deixemos o Natal, que longe está, e enfrentemos com mão crispada este junho, sem balões e sem fogueiras este junho de apartamento e compromisso (...) não há ventania por ora e tudo parece sólido”.

Não moro em apartamento, mas o aperto no peito pela falta do abraço e da alegria do São João; Ah... Isso sim dói... Ah, saudades de ouvir aqueles fogos, de sentar na calçada nas noites do dia 23 e de São Pedro, acender nossas fogueiras, sentar com os vizinhos, os parentes e os amigo, brincar com as crianças, com chuvinhas, bombinhas, rabo-de-saia, comer mugunzá e curtir ao som do forró:

“Quando olhei a terra ardendo/ Qual fogueira de São João/ Eu perguntei a Deus do céu, ai/ Por que tamanha judiação”.

A música clássica do mestre do Baião, Gonzagão, ressalta a dor do homem nordestino na seca, mas agora ressalto a nossa seca sem fogueira e referindo a outro clássico: olho pro céu e vejo como está triste, porque não há balões multicores.

O medo da nova doença na qual não há vacina, chamada covid-19, fez todos ficarmos dentro de nossas casas, usando álcool em gel e sabão para proteção principalmente dos idosos e os chamados doentes crônicos, fechou-se comércio, fechou-se escolas, acabou-se as aglomerações.

“São João na terra é fogueira/ São João no céu é balão/ Dançar quadrilha na poeira/ Isso é que é São João”.

Vixe! As quadrilhas, que já se preparavam logo após o carnaval para os concursos nos bairros e também em outras cidades, estados vizinhos promovidos por instituições. É, desta vez não puderam se preparar, agora dançamos cada um com o espelho, ou com o cabo de vassoura e nos divertimos como a nova música da Mastruz:

“Alanvantu pra tu, anarriê pra eu/ Tu no teu canto e eu dançando aqui no meu/ Vontade voa e saudade cria asa/ Vai ter São João/ Mas cada qual na sua casa”.

Eita! Se não fosse essas lives e as redes sociais para nos aproximar acho que já estaríamos pirados de pedra, inventamos os abraços virtuais e os cumprimentos de cotovelos para diminuir a ausência de estar perto, pensar que no tempo da Grande Gripe advinda após a Primeira Guerra nem tinha esses meios nos distraindo dentro de casa.

Aliás, é tanta informação que chega a desinformar. Já sai de mais de cinquenta grupos no zap porque só falam de quantos morrem ou deixa de morrer pelo Coronavírus, nem televisão assisto mais, estava ficando paranoica e pedia a cada vez que meu pai e irmão saia que tomasse banho, peguei até uma briga com esse ultimo. Soube até de uma prima que estava batendo na porta do povo e de um vizinho do meu tio que escreveu uma placa na porta que dizia: “Não recebo visitas, faça o favor de não insistir”.

É um tempo maluco no qual os filhos passam a serem pais dos seus próprios pais, mas sabemos que é por amor e respeito à vida. Tudo isso vai passar, as lembranças vão ficar, e elas já estão aqui, recordando dos festivais de Caruaru, Campina Grande, também de minha própria cidade há um ano.

Uma hora isso vai passar a pergunta que fica é quais lições vamos levar? Eu quem sabe no próximo ano cante: “Lembrei das palavras doces que um dia falei pra alguém” sentada na fogueira abraçada com este alguém. Mas por ora fico triste e mansa como meu pai, trancafiada me protegendo de um fantasma, olhando o céu negro pela janela, pedindo pra arrancar a dor no peito e ouvindo canções que são as mesmas, mesmo tudo não sendo.