MANOEL BARROS. KAFKINIANO.

O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é o caminho que o homem percorre para se conhecer.

(Perfeito/caminho).

Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim

falou que só sabia que não sabia de nada.

Não tinha as certezas científicas. (Premissa/minha religião).

Mas que aprendera coisas

di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas

das árvores servem para nos ensinar a cair sem

alardes. (Sem lamentos, serenidade).

Estudara nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver,

no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar.

Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens.

Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno

grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite

Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles —

esse pessoal. (uma escola de sensibilidade)

Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova.

Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que

achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam

que o fascínio poético vem das raízes da fala.

Sócrates falava que as expressões mais eróticas

são donzelas. E que a Beleza se explica melhor

por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei

sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca. (moscas kafkanianas, anterioridade sem objeto)

O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e

sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo

que catar espinhos na água.

O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces

de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio, do que do cheio.

Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito,

porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que

escrever seria o mesmo

que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu

que era capaz de ser noviça,

monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios

com as suas peraltagens,

e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos! (despropósitos/propósitos)

Uma didática da invenção (necessária/vida)

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca

b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer

c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos

d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação

e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos

f) Como pegar na voz de um peixe

g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.

etc.

etc.

etc.

Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

(aprendendo)

Parênteses meus.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 29/06/2020
Reeditado em 29/06/2020
Código do texto: T6991672
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