Loucura íntima nossa

O Coronavírus deu o ar da desgraça nas primeiras horas de 2020, se tornando a palavra mais pronunciada no mundo de quem ainda sonha viver e deixar viver - a morte! Mortes atingem os incautos na mesma sanha que transforma em "afogados" quem apenas quer respirar.

Nesse clima de pouca informação sobre essa infecção, o temor nos faz prisioneiros voluntários e modifica valores. O abraço muitas vezes esquecido, tem sua ausência sentida! O medo de faltar a comida, de perder o emprego, medo de adoecer e não conseguir socorro. Medo de ficar só!

A preocupação de cuidar de pessoas que amamos, juntou Carlos aos 73 anos, minha filha Yasmim, 15 anos autista severo e eu, 54 anos diabética e hipertensa. Decidimos nos cuidar e juntos cuidar da Yasmim. Nunca pensei que seria fácil a convivência de pessoas tão diferentes! Todos temos algumas loucuras íntimas. Apenas não tão evidentes quanto uma deficiência mental. A convivência testa nossos limites e, Yasmim serve de parâmetro para testarmos nossa “normalidade”. Porém sempre acreditamos no sentimento que nos unia. Carlos, músico, trouxe o trombone e o trompete para estudar. Porém esqueceu estante para as partituras - tentou improvisar mas não funcionou. Veio também o "Bebeto"(Beethoven),um poodle branco pequeno. Ele e sua inseparável bolinha. O filhinho de quatro patas. "Mudança" feita de automóvel.

Yasmim se ressentiu com as mudanças na rotina. Pararam boa parte das terapias e a escola. Apesar de dar um show para ir, ela sentiu falta. Para a casa funcionar minimamente, tornou-se necessário que ela se acostumasse dormir durante o dia mais tempo. Horários respeitados, rotinas adaptadas, medicação rigidamente controlada, alimentação rica e balanceada. Uma caminhada pela rua diariamente após o almoço para todos “desestressante”. Eu entre agulhadas para aferir a glicemia capilar, insulinas, dietas, faço o exercício possível! No intervalo de um afazer e outro, ouço e compartilho vídeos no meu Facebook e no do Carlos. Graças a Deus compartilhamos da mesma visão política! Isso é muito importante por que trocamos ideias, opiniões sobre a situação estranha que se encontra o Brasil!

Prontos para o desafio, que não sabemos quando terminará!

Difícil acreditar que estamos discutindo o nosso futuro, nossa saúde, nossa segurança e nossa educação com pessoas que creem que a Terra é plana, que não acreditam em vacinas, que acham que diretos humanos são frescuras! Definitivamente o Brasil cometeu suicídio coletivo em 2018! Não poderia prever tamanho estrago, pois não sou vidente! Porém, lembro-me bem da angústia ao saber o resultado da eleição. Não bastasse os rompimentos antes do dia 28 de outubro de 2018, restou a percepção de que os eleitores do vencedor engoliam com facilidade as histórias mais loucas como explicação! Não precisava ser verdade, apenas que mantivesse acesa a versão que lhes confirmasse sua convicção! Muito louco isso! Para fechar com requintes de sadismo um verdadeiro massacre de direitos adquiridos a duras penas e muitas mortes, o governo conseguiu com o apoio de congressistas eleitos para dar suporte a esse desgoverno, que aprovada a Deforma da Previdência. Iniciou-se o “drama” propriamente dito do pais. O “eleito” fez o que prometeu, direitos perdidos! A aposentadoria destruída! Ninguém foi enganado! Conseguiram se envenenar com o ódio que destilaram!

Eis que chega ao Brasil a personificação do ódio nutrido por pessoas que pensassem diferente! A morte do outro foi desejada! O COVID-19 abraçou, sem distinção, qualquer um ao seu alcance que respirasse, fosse de “esquerda”ou de “direita”, amigo ou inimigo, pobre ou rico, jovem ou velho, negro, branco, amarelo ou vermelho! Apenas o que nos une, a HUMANIDADE! Destruindo a capacidade de respirar , transforma resfriado em pneumonia grave podendo ser letal em idosos, portadores de doenças crônicas respiratórias e similares! De repente, pessoas próximas e queridas passaram a ter espadas sobre suas cabeças e nós poderíamos trazer essa maldição para dentro de casa! Além da luta diária pela sobrevivência, pelo pão, precisamos nos isolar, não ter contato com outras pessoas, não abraçar, não beijar, não pegar na mão, enfim, não demonstrar o carinho que faz parte da alma brasileira! Somos alegres, criativos, movidos a uma esperança que nos põe o brilho dos olhos toda manhã! Se nos negam o sonho, cantamos ele! Não acredita? Veja o que acontece nas comunidades cariocas no carnaval! Arte, samba, pesquisa, estudo e compromisso levam para avenida, gente simples vivendo o esplendor de uma utopia!

Precisaremos desarmar os ânimos. Agora não importa a bandeira. Estamos do mesmo lado e temos um inimigo comum mais forte que pode vitimar qualquer um! Decidimos estar juntos. O dia é corrido e cheio. À noite escrevo, leio e namoramos, por que ninguém é de ferro! Amanhã - Bebeto arranha a porta, Yasmim, abre os trabalhos e lá vamos nós de novo!