PLATAFORMIZAÇÃO DA DOCÊNCIA: O QUE AGUARDA OS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO NA CURVA DA PANDEMIA

Nunca é demais ressaltar que a raposa jamais ensinará defesa pessoal à galinha.

Claudio Chaves

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QUE TAL, ao invés de concurso público, contratar o professor por aplicativo, como já é comum com diversos outros serviços delivery?

FANTASIA? Dramatismo? Exagero? Pode ser. Mas, até ser sancionada a Lei 13.429/2017 (Reforma Trabalhista), oferecer seus serviços sob total e exclusiva responsabilidade sua, assumindo todos os riscos, sem nenhum comprometimento da parte contratante e sem nenhum amparo jurídico parecia algo inimaginável; mas é exatamente o que está acontecendo hoje com motoristas, motoboys e ciclistas de aplicativos, especialmente durante a pandemia, quando centuplicou a procura por esses serviços, aumentando exponencialmente os lucros das empresas controladoras, enquanto para os trabalhadores multiplicaram-se as jornadas de trabalho, diminuíram os rendimentos e aumentaram os riscos de morte, tanto pela infecção do novo coronavirus quanto por acidentes no trânsito que, em hipótese alguma serão oficialmente reconhecidos como acidentes de trabalho, já que não existe vínculo algum entre contratante e contratados – aliás, que contratante e que contratado se não existe formalização de contrato algum?

“AH, MAS a situação dos docentes é outra bem diferente”, alguém pode argumentar. Será? Vale lembrar que antes da pandemia não se cogitava professor ministrar aulas pelo watsapp, de sua própria residência, 100/% às suas expensas e sem a devida capacitação para tanto; mas está acontecendo.

RESSALTE-SE também que, já durante a campanha eleitoral/2018, o atual presidente falava, sem a menor inibição – muito pelo contrário, essa era uma de suas mais alardeadas bandeiras –, que o trabalhador teria que escolher entre mais emprego e menos direitos ou direitos e nenhum emprego. Ou seja, escancarava [com todo poder e sem nenhum pudor] que seria tornado presidente não para mediar conflitos (como, constitucionalmente, é o papel do Estado) entre o capital e o trabalho, mas simplesmente para cumprir o que o Mercado determinasse. Também não deve ser esquecido que, logo no seu primeiro ano de governo, o primeiro assunto educacional pautado foi a educação domiciliar, inclusive para o ensino fundamental.

SE FALTAVA uma justificativa que englobasse praticamente todos os aspectos – incluindo um provável clamor popular – necessários a aceleração da plataformização/uberização do trabalho docente, a pandemia da covid-19 acaba de suprir essa carência: “é mais um goooooooool [não sei se do Brasil ou da Alemanha]”! Ou seja, se o Governo Federal – que, em nenhum momento, hesitou atribuir ao servidor público (com destaque para os docentes) estigmas como: parasitas, promotores de balbúrdias, plantadores de maconha e idiotas úteis – já vinha envidando esforços para criminalizá-lo (responsabilizando-o pelo déficit previdenciário, obstaculizando a realização de concursos, descapitalizando sindicatos e tentando acabar com a estabilidade e a progressão na carreira, entre outros “mimos”), não é tão difícil imaginar como serão tratados aqueles que eventualmente se mostrarem resistentes às regras do “novo normal”.

É IMPORTANTE lembrar ainda que os governos têm interesse, mas eles não são os únicos e, talvez, nem os maiores e mais poderosos interessados na situação. Não esqueçamos que por trás das plataformas e aplicativos há gigantescos conglomerados empresariais e, não por acaso, os dois “professores mais ricos do Brasil”, Ariovisto Guimarães (fundador do Grupo Positivo) e Luiz Flávio Gomes (fundador da primeira rede de ensino telepresencial da América Latina) estão, respectivamente, no Senado e na Câmara dos deputados, como os mais legítimos representantes do edunegócio, modalidade empresarial que, no Brasil, talvez só perca em rentabilidade para o outro negócio, o agro.

ANTE essas pequenas observações, é difícil imaginar quem, de fato, vai ditar o ritmo, do novo normal na educação brasileira? Quem vai fornecer os equipamentos para os governos? Quem vai preparar as plataformas e os aplicativos? Quem vai “treinar” os docentes? De quem os governos vão comprar os pacotes de vídeo-aulas com conteúdos, metodologias, avaliações... pré-definidos? E os pacotes de capacitação? O material didático e o paradidático? E se for possível (com mais flexibilizações legais) incluir no bojo o próprio docente uberizado, haverá necessidade de novos concursos e até mesmo de contratos temporários?

APENAS mais um lembrete! Não esqueçamos que, há pelo menos 14 anos, quem delineia a política de educação do governo federal brasileiro – que se torna referência (e, na maioria dos casos, obrigatoriedade) para as demais esferas – não é apenas o MEC. Aliás, se duvidar, o Ministério é quem menos tem poder de voto nesse particular. Não é de hoje que o grande direcionador da política educacional brasileira, na prática, chama-se Todos pela Educação – Leia-se “Todos pela Educação que a classe empresarial quer”: com o dinheiro público financeirizando o edunegócio por um lado, e o Parlamento (cada vez mais composto por seus integrantes) ajustando a legislação às suas demandas por outro.

E POR QUE o interesse de instituições tão generosas como Unibanco, Bradesco, Lemann, Itaú, Natura, Grupo Globo, Vivo, entre outras, seria mais expandir seus negócios e amentar seus lucros do que necessariamente promover educação pública de qualidade para os filhos do proletariado?

ISSO eu não me atrevo a querer responder. Mas, a título de advertência, apresento a quem interessar um ensinamento aprendido com os meus avós e que reputo importante: “a raposa” diziam eles “jamais ensinará defesa pessoal à galinha. Pode até ensaiar algumas técnicas iniciais; mas apenas o suficiente para quebrar possíveis resistências e lhe granjear a confiança”. “O diabo”, concluíam, “nunca se apresenta como de fato o é”.