O CAVALO DO CORONÉ

O CAVALO DO CORONÉ

Autor: Moyses Laredo

Crônicas do nordeste

Numa viagem ao interior do nordeste, para o município de Cortês localizado na Mesorregião da Mata e na Microrregião Meridional do Estado de Pernambuco, que faz limite ao Norte com Gravatá, ao Sul com Joaquim Nabuco, a Leste com Amaraji e a oeste com Barra de Guabiraba. A área municipal ocupa 98,7 km².

Estava eu na janela da pequena pousada, de passagem, apreciando a calmaria da pacata e pequena cidade do interior do nordeste, quando, no começo da tarde, comecei a me perturbar com um grande engarrafamento de tremilhões carregados de cana na rua principal, achei que já tinha visto de tudo, mas qual o quê! Aquilo que estava acontecendo, era inusitado aos olhos de um viajante. Na verdade, todo transtorno, estava sendo causado por um cavalo arreado (com arreios – sela, estribos, rédeas etc.), que amarrado numa das várias argolas instaladas no meio-fio, próprias para essa função, tinha se virado e permanecido de atravessado na rua, aquilo impedia a passagem dos caminhões de 7 eixos carregados de cana-de-açúcar, que necessitavam de bastante espaço para trafegar, já que aquelas ruas eram estreitas, uma vez que são largos e muito altos o risco é enorme. Achei aquilo estranho, no entanto, pelo bom senso, não comentei nada, apenas fiquei a observar aquela enorme procissão de imensos caminhões, que a cada momento, outros se juntavam, aumentando mais a fila, só se escutava, cada vez com mais frequência, os assobios agudos e altos dos escapes das garrafas dos freios. O curioso foi que não ouvi uma só buzinada, todos ao se alinharem, desligavam imediatamente os motores. Tudo em cidade pequena se torna novidade, sai à rua e perguntei ao primeiro que encontrei, o que estava havendo? O rapaz era o da pensão, me puxou pela camisa e falou, quase cochichando com a concha da mão na boca, disse que era o cavalo do Coroné que se virou e estava atravessado na rua empatando a passagem dos caminhões, - Oras, isso eu estou vendo! - E então, porque ninguém foi lá e não o afasta de volta? O rapaz me respondeu mais assustado ainda, soletrou, - o Co-ro-né tá na bar-be-aria!! e ai de quem ousar relar no cavalo dele, da cadeira do barbeiro onde estava, podia atirar no cabra, porque sempre que se barbeava, mantinha nas mãos, por baixo da capa escura do barbeiro, segurando dois trabucos (trinta e oito cano longo) apoiados sobre as pernas, isso sem contar com o grupo de jagunços ali por perto que sempre o acompanhava. Continuou o rapaz assustado, você vê aqueles homens ali em pé escorados ao lado da barbearia? – Sim, vejo! - Pois é, são os homi do Coroné, não se mexem pra nada e ninguém nem fala com eles, basta um olhar do Coroné que eles entendem tudo.

Depois de mais de uma hora, sem se ouvir sequer uma buzinada, o Coronel por fim, saiu da barbearia, ele era um tipo barrigudo baixo, usava um paletó branco de linho amarrotado, esporas douradas nas botas de cano longo, com as pernas das calças dentro. O bigode formava duas linhas fina abaixo do nariz, como um acento circunflexo, fazendo um rodapé de beiço, completava a indumentária com um chapéu cinza, de massa e aba larga. De cara fechada com as sobrancelhas alternadas, quer dizer, uma baixa e outra alta, virou-se pros dois lados da rua, como que observando a situação, em seguida, olhou primeiro para o seu cavalo, depois para os jagunços, que o entenderam imediatamente, trouxeram o animal para perto e estenderam-lhe um banquinho para alcançar a sela, montou no seu manga-larga marchador, de pelagem tordilho, ajeitou os canos longos dos revólveres, que as massas de mira teimavam em roçar seu saco, cumprimentou a todos, apenas com o toque da ponta do rebenque na aba do chapéu, encaixou as botas reluzentes nos estribos, puxou as rédeas, fazendo o cavalo despertar de sua sonolência do meio da tarde, em seguida, entortou o pescoço do animal pra trás, riscou o ar com o rebenque estalando uma lapinguachada nas ancas do bicho e ao mesmo tempo, cutucava-o com as esporas nas costelas, o conformado animal se espantou estremeceu todo, mas acostumado, logo saiu em trotes lento com o Coronel abufelado em cima. Os jagunços o acompanharam pelo meio da rua, sem pressa seguindo o homi, sempre atrás dele. O silêncio absoluto dos caminhoneiros e dos espectadores permanecia, só se ouviam os pó-cotó-pó-cotó-pó-cotó dos cascos ferrados dos animais, que faiscavam no paralelepípedo, do puro granito das jazidas abundantes na região que pavimentava todas as ruas da pequena Cortês. Alguns minutos depois, quando o homi e sua comitiva sumiram no horizonte, é que se ouviu os primeiros roncos dos motores dos treminhões, em seguida, a imensa procissão se desfez lentamente e tudo voltou à normalidade, na pacata cidade de Cortês. Êita coroné macho, queria ter um filho assim!!!

Molar
Enviado por Molar em 27/06/2020
Código do texto: T6989022
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