Banho de chuva

A chuva estava caindo em sincronia com a minha alma, que absorvia toda a melancolia advinda daquelas lágrimas divinas.

Nasci em um dia chuvoso, ao menos foi o que me disseram, a cidade toda estava alagada e os meus pequenos olhos também estavam, eram tantas as lágrimas que todos podiam jurar que eu estava triste por ter nascido. Desde então, vejo uma poesia muito crua neste fenômeno da natureza.

Me lembro de adorar dias de chuva enquanto criança, era como um evento, minha mãe corria para fechar as janelas, o cachorro corria para uma área coberta da casa e eu permanecia estática, sentindo o cheiro de terra molhada e apostando com Deus que a chuva não duraria por toda a tarde, geralmente ele ganhava.

Certa vez, no meio de uma brincadeira de queimado com os amigos na rua, uma chuva pegou a todos de surpresa, cada criança correu para um lado, enquanto eu e mais algumas crianças permanecemos na chuva, no primeiro momento pensei em me amparar em algum lugar, mas parecia tão certo que acabei tomando um banho de chuva, a primeira e única vez que experimentei tal regalia, me senti livre, abraçada, feliz. Porém, a liberdade é uma verdadeira prisão, no portão de casa me esperava a minha sentença, fiquei de castigo por ter chegado inteiramente encharcada.

Nunca mais tive o atrevimento de fazer algo daquele tipo, cresci. A mesma chuva que me libertava quando criança, hoje me deixa um tanto estressada, outro dia tomei um banho de chuva, indesejado, no caminho da faculdade e passei o resto do dia irritada, talvez as circunstâncias não estejam ajudando afinal.

A chuva evoca nuances ácidas de uma melancolia escondida nas profundezas do meu subconsciente, é como se toda a euforia infantil houvesse se transformado em ressentimento e tudo isso evaporasse junto, formando uma nuvem carregada sobre a minha cabeça.

Chove hoje e choveu no meu passado, um fenômeno repetitivo, contudo, espero que chova no futuro para que eu possa tomar um banho de chuva e, talvez, me livrar da negatividade que se instalou por aqui.