Crônica acabada de uma separação

O número sete, comum por ser um elemento místico na cultura ocidental, por vezes associado ao tempo de criação do mundo judaico-cristão, outras vezes, estando presente também na bíblia para remeter a essa caracterização de fundo sobrenatural, representa também, o exato período de tempo de um relacionamento acabado. Esse relacionamento não seria tão diferente dos demais, na verdade, o ser humano sempre se coloca como diferente, ou entende que sua realidade é pior ou melhor do que a dos demais, contudo, sem descondirar os aspectos subjetivos, a realidade é tal como ela é, sem tirar e nem acrescentar, ela é e torna-se a ser, nesse constante movimento que tende a nos pegar de surpresa.

De fato, sete anos não são sete dias e muito menos sete horas, pode ser o tempo de uma vida, ou de um sonho vivido a dois. E de fato foi, o relacionamento que destaco teve um tempo de existência de sete anos. Ela, uma moça simples, humilde e esforçada, ele, com características semelhantes, mas sempre ansioso e muito preocupado com a própria perspectiva de sobrevivência. Na aurora dessa relação, havia encontro, saudade e acolhimento, até a rotina parecia ser algo interessante, afinal, os dois estavam iniciando um momento único em suas vidas. Os parques, a grama verde em dias ensolarados de finais de semana ensolarados, o tecido quadriculado no chão e as comidas sempre deliciosas que ela fazia, davam um toque especial no romance. Embora ela fosse de origem primordialmente protestante em termos religiosos e ele Católico Romano, isso nunca foi um problema, ideias como respeito, momento certo e até mesmo ideias como sexo após o casamento sempre foram respeitadas.

Contudo, a rotina com o passar do tempo parece que se viera a se tornar uma bigorna sobre a cabeça do casal, já não conseguiam ter aquela naturalidade. De amiga, a rotina parece que se tornou uma inimiga, além disso, os dois aos poucos foram descobrindo que para além do respeito, existia algo que estava fincado entre os dois, mas que no início não estava tão claro: as ideias. Sim, eles nunca chegaram a cogitar que ideias pudessem interferir, mas o fato é que aos poucos elas foram crescendo, tomando fôlego em meio a um oceano de insatisfações e culpas. O casal começou a divergir entre tema políticos, ela, sempre mais à direita, mesmo sem defender ideais, partidos e políticos, mas apresentava ideias que passaram a assustar o rapaz: terra plana, repúdio à vacina e ao conhecimento existente na academia, reprovação de movimentos como o das feministas e dos negros. Em si, não eram defesas ferrenhas do ponto a serem agressivas, mas tinha como pano de fundo o elemento do estar oposto ao que o rapaz pensava este, mais aberto, mesmo tendo críticas pontuais e entendendo que tais movimentos nunca foram homogêneos, mas, por formação, entendia que a terra não era plana, que existia um sistema solar, que a composição da terra era formada por um núcleo sólido e que a função das placas tectônicas era algo tão sólido quanto os terremotos e tsunamis. Além disso, a medicina, mesmo com as devidas críticas e a própria ciência sempre foram um ponto de reflexão e diálogo para ele.

Nessas circunstâncias, parece que os sete anos tinha relevado ao casal que eles estavam em lados opostos, e que a simples educação e respeito não era suficientes para implicar numa relação duradoura. O rapaz sempre muito preocupado com as questões materiais e de sobrevivência, com o tempo e com o próprio mundo, tinha uma leitura pessimista da realidade e da própria perspectiva de existência, passou a refletir melhor sobre o futuro em meio a essas divergências. Sentiu-se culpado, com medo e apreensivo, afinal, eram sete anos, uma história foi construída, e apesar das divergências, sempre considerou a companheira como uma pessoa de quem queria bem. Mas, parece que em temos de relacionamento isso não era suficiente, e entre crises e culpas, os dois perceberam que o marasmo e a calmaria tinham tomado conta do oceano, e o barco em que estavam tinha parado, sendo a única de forma de salvamento, ir à busca de outros barcos e oceanos, tentar novas vidas e experiências.

O processo de desligamento foi duro, ainda guardo na imagem ela me olhando pelo portão de sua casa, me acompanhou até eu sumir no mar de prédios e concreto de sua rua. Eu, enquanto caminhava, olhei três vezes para trás, e confesso, ver que estava sendo acompanhado pelo olhar da ex-companheira surtiu em mim um efeito de angustia, aquela imagem ficou cravada em minha memória, seu olhar fixo de despedida diante de minha partida doeu a tal ponto que cheguei a ensaiar lágrimas nos olhos e aperto no coração. Contudo, às vezes a racionalidade tem que se impor, o certo era a despedida, superar o ciclo de insatisfação e se desprender da história que foi construída para tentar seguir em frente.

O fato é que, ao término, o momento de luta ainda ronda o pensamento do que representou a experiência, embora me sinta em paz por não ter enganado, traído ou feito algum mal, o fato de fazer alguém cair em lágrimas me atinge a tal ponto de me sentir angustiado e recolhido em pensamento, não tinha desejado que o final desses sete anos fosse assim, na verdade, todos nós em algum momento sonhamos com algo eterno do ponto de vista de nossa curta existência nessa vida. Sinto muito pelo que ocorreu, a tristeza toma conta quando começo a pensar nas lágrimas que inundaram o rosto da ex-companheira, mas, temos que ser sinceros nas decisões, alimentar esperanças vazias apenas colocaria meu próprio ser um poço de culpa e cobranças. Finalizo com gratidão pelos sete anos e com o real desejo de felicidade para a ex-companheira, que esta, consiga realmente encontrar alguém de seu mundo, de sua cosmovisão, que combine com suas formas de encarar as coisas, infelizmente não fui essa pessoa e nem teria como tornar-me a ser.

Quaresmo
Enviado por Quaresmo em 26/06/2020
Reeditado em 11/07/2020
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