Idos
Viu um porta-retrato nu, despido de rosto ou corpo, escondido numa caixa de lembranças, e umas fotos cicatrizadas pelo corte da tesoura, exibia uma imagem solitária. Virou tudo sobre o assoalho, uma bailarina sem pernas saltou, e uma caixa de música muda, abriu.
Um par de aliança chamou sua a atenção, lembrou das algemas. Ganhou quando jurou na capela, anos de servidão; o amor não precisa de um contrato com testemunhas, cláusulas prefixadas e e sanções; isso é prestação de serviço.
A união que imaginara era dos contos de fadas; não que fosse uma Cinderela, mas o ser amado não precisava ser um cachorro, vira-lata, em busca de qualquer cadela no cio. Sentiu uma tristeza, um asco, e os olhos ficaram dengosos.
Aproveitou o clima e resolveu fazer uma boa faxina. Do guarda-roupa, expulsou o vestido branco, o véu, a grinalda e o terno fora de moda. Da cômoda, baniu a enfermeira, a policial, a babá e a professora; não extrapolaram as expectativas.
E da parede, tirou as impressões visuais; os enfeites e adereços estavam sobrando. Não fazia sentido prender as memórias, agarrar-se às sobras e respirar migalhas. Colocou tudo no porão, em caixas lacradas; enterrou seus mortos.