Não é ilegal, mas parece
Entrar num supermercado ou loja e sair sem comprar nada não é crime, mas parece ser. A sensação é a de que estamos sendo vigiados por todas as câmeras e seguranças do estabelecimento. Antes do advento do decreto que exige, por conta da covid-19, o uso de máscaras em lojas, supermercados e congêneres, essa situação mostrava-se vexatória, apesar de não delituosa.
Agora, que é obrigatório o uso de máscara por todos, essa experiência continua fora do Código Penal (não sei até quando), mas, pelo menos em mim, tem surtido efeito mais pesaroso. É chato e já aconteceu várias vezes comigo de entrar em supermercado, não encontrar o que procurava e, ao sair, o vigia do estabelecimento ou seu substituto me perguntava: "Você não vai levar nada?".
O que parece, ao senso comum, pergunta sem maiores intenções, a mim sempre se revelou intimidativa, constrangedora, como que sair de estabelecimento comercial sem comprar nada fosse um dos crimes capitais da modernidade. Já aconteceu várias vezes comigo, nessas ocasiões, de me sentir suspeito de crime ainda não previsto em código; esse crime criado para constranger.
Com o tempo, notei que essa pergunta indesejada tornava-se mais frequente quando entrava com mochila nos estabelecimentos comerciais; hoje, dado o contexto pandêmico/convidesco em que sobrevivemos, revejo essa tese —e chego à conclusão de que máscara conjugado com mochila são os adereços perfeitos que fazem de um consumidor em potencial um suspeito em potencial.
Agora, quando saio de uma dessas lojas sem comprar nada, de máscara, com mochila às costas e, por coincidência, passa por mim viatura de polícia, sinto menores as chaces de ser parado e revistado. Antes não era assim, mas agora madurei em experiência: antes mesmo de entrar na loja, pergunto logo na recepção se o produto ou serviço que procuro tem no estabelecimento. Se sim, entro; se não, volto sem ter a pergunta indesejada posta em minha direção.
Essa precaução tem-me evitado a indesejada pergunta, mas tem-se mostrado inócua quanto a uma outra que vem ocupando seu lugar. Acontece às vezes de eu me perder em um olhar achado, desses que o poeta chama de um olhar cujos olhos são dois oceanos não pacíficos. Aí já viu. É suspeição na certa, embaraçada e legal.