Sobre o tempo presente

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito. Vamos de mãos dadas.

Carlos Drummond de Andrade

Estou aprendendo algumas coisas sobre as quais não tinha nenhum interesse. Assisto aos jornais, ouço os comentários, faço minhas reflexões e, inevitavelmente, assimilo o triste e necessário ensinamento. Nunca imaginei, por exemplo, usar em um palavreado meu a expressão ‘imunidade de rebanho’ – no presente contexto, uma coisa ruim, estou certo!

Hoje, sei que, na atual conjuntura, atingiríamos essa referida imunidade quando 70% (?) da população tivesse sido contaminada por esse vírus que está infelicitando a humanidade – do pobre ao rico, do infeliz ao feliz (se é que há hoje alguém que se diga feliz), do anônimo ao famoso, do esquerdista ao direitista... Todos sofrem! Uns mais, outros menos. Incólume ninguém passa.

Mas – fácil é convir – entregar a população ao vírus para a tal imunidade ser atingida só seria política pública de saúde se não estivéssemos falando de uma doença letal, que ceifaria milhões de vidas mundo afora. Daí, o problemão que vivemos.

No meio da pandemia de artigos científicos que, pelo que se vê, povoa o universo acadêmico (haverá vaidade nisso?), o que parece ser mesmo unanimidade entre os especialistas são as medidas de higienização, o uso de máscaras e o necessário isolamento social – mais fácil para alguns e, certamente, impossível (ou quase isso) para muitos outros.

O que se vê é que países que não acreditaram na necessidade do isolamento (leia-se Inglaterra, por exemplo) amargaram milhares de perdas de vidas e viram que era imperioso o procedimento e, agora, começam suas medidas de flexibilização. Ufa! Expor a população à imunidade natural pelo contágio levaria a uma perda exponencialmente maior de vidas.

No Brasil, o que vemos é um aumento acentuado do número de casos e o obituário só crescendo. Na contramão da realidade, as medidas de flexibilização estão levando mais e mais pessoas às ruas e a inevitáveis aglomerações, ainda que as recomendações sanitárias sejam observadas. País por demais pobre, contemplando profundas desigualdades sociais, era natural que por aqui a situação se tornasse mais difícil.

Decisão do Supremo Tribunal Federal determinou que a política de enfrentamento ao covid-19 seja administrada por estados e municípios, sob coordenação, acredito, do Governo Federal. O que temos observado são decisões diferenciadas, atendendo às peculiaridades locais. Mas, no todo, passamos por uma fase de flexibilização das medidas de isolamento, que visam a dar fôlego à vida econômica do país, já tão afetada pela crise sanitária.

Até onde observo, é aí que a coisa está pegando. Talvez não fosse a hora de voltar. Mas como fazer? As pessoas querem sair, passear, ir às compras, ir à praia e, a esta altura, talvez prefiram fazer ouvidos moucos às recomendações. E os hospitais se enchem, e as pessoas sofrem, e o telejornal é quase sempre um sofrimento só – vejo os apresentadores tristes, preocupados. Uma pena!

Não cabe, obviamente, buscar a tal imunidade de rebanho pelo desastre humano que ela representaria e pelo caos hospitalar. O que fazer então? O correto é entregar à ciência o que é da ciência e aos nossos corações o humanitarismo que se encontra neles. Talvez precisássemos humanizar a humanidade – o momento é agora. Precisaríamos, com certeza, socializar um pouco esse capitalismo universal!

Precisaríamos, e muito!, de uma ampla legislação humanitária para os tempos graves que vivemos. O auxílio emergencial é certamente uma medida nesse sentido. Mas precisaríamos de mais, em todas as instâncias e, também, na instância de nossa generosidade! E os corruptos, os ladrões poderiam nos dar uma trégua!

Precisaríamos refrear os apetites do capital, os apetites da ganância e construir ações (verdadeiras e amplas ações de solidariedade) que, por mais algum tempo, permitissem a quem tem menos, ficar mais em casa e com menos gastos, e menos danos emocionais.

Herbert de Souza deixou sua marca. Fez uma corrente do bem, que alimentou quem tinha fome. Hoje o problema é maior, gigantescamente maior. E a corrente do bem precisa ser maior ainda. Há lideranças isoladas nesse sentido (lembrei-me do padre Lancelotti), mas não há uma delas que tenha repercussão nacional.

Precisaríamos de muita comunicação – e deveria vir do poder central, organizando, unindo, somando –, pois precisamos voltar – sofridos, sim! –, mas com forças para continuar.