A GENTE SENTE SAUDADES ATÉ SE REENCONTRAR DE NOVO, DEPOIS AMA ATÉ SE ABUSAR E VOLTA A SENTIR SAUDADES.
- Crônica do dia 23-06-2020 -
Alguns dos hábitos mais gostosos que o pessoal aqui de casa tem, é de tomar café na mesinha do quiosque da praça que fica aqui na frente. Parece até o banco da “Praça é Nossa” tem de tudo!
Essa praça é realmente um dos elementos que existem na face da Terra que faz com que possamos compreender de fato o que é o Brasil, em essência, de uma forma saudável.
Cada pessoa que passa todos dias, rumo ao portal que os leva da realidade daqui, para a realidade necessária, ou a realidade pretendida, ou qualquer outra realidade, mais ou menos amada por cada um que vive neste espaço de chão que é, visivelmente, tão simples, porém, ao mesmo tempo tão complexo, tão profundo e tão cheio de significados.
É tão impressionante o fato conhecer alguém há tantos anos que essa pessoa já seja parte completa de sua vida, de tal maneira que você nunca tenha imaginado a sua vida sem ela, até que, de repente, ela parte.
E aí, é quando se percebe que a gente precisava daquela pessoa viva, nem que fosse apenas pra saber que está viva, e que a qualquer momento vai bater na porta da sua casa contando uma mentira bem absurda que não cabe na cabeça de ninguém, e que é tão grosseira que chega a ser engraçada.
Mas aí, depois dessa mentira, todo mundo dá risada junto, e esquece um pouco da conta de Luz que tem pra pagar, e que já tá juntando três e que há qualquer momento pode ser cortada, o aluguel que vai deixar todo mundo liso.
O emprego que tá difícil, e tem que arrumar um jeito de tudo se acertar no final do mês, de alguma forma, “nem que tenha que vender o corpo, Deus me livre e guarde”, acompanhado de um sinal da cruz pra quem é católico, de um "misericórdia!" pra quem é evangélico e de um "Saravá!" pra quem é do santo, mas vai dar tudo certo.
O vizinho empresta algum dinheiro, a outra vizinha arruma um quilo de feijão, e tudo acontece. Final de semana, quem tem algum troco paga uma cerveja, o outro paga uma dose, e todo mundo farreia.
Eu não me lembro do Ken Kity sem a Neuzona. E pra falar a verdade, vai ser até esquisito pisar lá e não ver ela na cantina cozinhando, ou brigando com os meninos no pátio, maldizendo e provocando por brincadeira a vida de todo mundo, dando conselho quando fosse necessário, e soltando aquelas risadas escandalosas que só ela sabia fazer.
A Neuzona fez parte da vida de cada um aqui, e foi uma pessoa que sua ida doeu tanto, que não sei qualificar o quanto. Porque ninguém esperava que ela fosse morrer. Porque ninguém nunca imaginou a vila sem a Neuzona, acho que talvez, alguns poucos podem se lembrar da vila sem ela.
Mas é isso que está acontecendo. Seu Aluisio, Seu Ferreira, Tio Amândio, Seu Zé Pirangueiro, Seu Zé Gordo, minha avó, Dona Graciliana, seu Cabral, seu Severo, um a um foram embora, e os mais novos não sabem quem são. São memórias nas cabeças dos mais antigos, que evita-se até tocar no assunto para não causar dor.
E a vila vai morrendo, e com ela, cada pedacinho dos nossos corações que mais querem estar longe daqui para não lembrarem de tanta coisa triste que acontece com a gente todo santo dia. Até entender que o problema está em nós mesmos, e não no lugar que é tão gostoso e cheio de tanta gente boa.
Eu não pude abraçar nenhum desses antes de morrerem, sempre fui pego de surpresa, acho que é isso né? A vida é bem assim, a gente sente saudades até se reencontrar de novo, depois ama até se abusar e volta a sentir saudades.
Graciliano Tolentino
- Crônica do dia 23-06-2020 -
Alguns dos hábitos mais gostosos que o pessoal aqui de casa tem, é de tomar café na mesinha do quiosque da praça que fica aqui na frente. Parece até o banco da “Praça é Nossa” tem de tudo!
Essa praça é realmente um dos elementos que existem na face da Terra que faz com que possamos compreender de fato o que é o Brasil, em essência, de uma forma saudável.
Cada pessoa que passa todos dias, rumo ao portal que os leva da realidade daqui, para a realidade necessária, ou a realidade pretendida, ou qualquer outra realidade, mais ou menos amada por cada um que vive neste espaço de chão que é, visivelmente, tão simples, porém, ao mesmo tempo tão complexo, tão profundo e tão cheio de significados.
É tão impressionante o fato conhecer alguém há tantos anos que essa pessoa já seja parte completa de sua vida, de tal maneira que você nunca tenha imaginado a sua vida sem ela, até que, de repente, ela parte.
E aí, é quando se percebe que a gente precisava daquela pessoa viva, nem que fosse apenas pra saber que está viva, e que a qualquer momento vai bater na porta da sua casa contando uma mentira bem absurda que não cabe na cabeça de ninguém, e que é tão grosseira que chega a ser engraçada.
Mas aí, depois dessa mentira, todo mundo dá risada junto, e esquece um pouco da conta de Luz que tem pra pagar, e que já tá juntando três e que há qualquer momento pode ser cortada, o aluguel que vai deixar todo mundo liso.
O emprego que tá difícil, e tem que arrumar um jeito de tudo se acertar no final do mês, de alguma forma, “nem que tenha que vender o corpo, Deus me livre e guarde”, acompanhado de um sinal da cruz pra quem é católico, de um "misericórdia!" pra quem é evangélico e de um "Saravá!" pra quem é do santo, mas vai dar tudo certo.
O vizinho empresta algum dinheiro, a outra vizinha arruma um quilo de feijão, e tudo acontece. Final de semana, quem tem algum troco paga uma cerveja, o outro paga uma dose, e todo mundo farreia.
Eu não me lembro do Ken Kity sem a Neuzona. E pra falar a verdade, vai ser até esquisito pisar lá e não ver ela na cantina cozinhando, ou brigando com os meninos no pátio, maldizendo e provocando por brincadeira a vida de todo mundo, dando conselho quando fosse necessário, e soltando aquelas risadas escandalosas que só ela sabia fazer.
A Neuzona fez parte da vida de cada um aqui, e foi uma pessoa que sua ida doeu tanto, que não sei qualificar o quanto. Porque ninguém esperava que ela fosse morrer. Porque ninguém nunca imaginou a vila sem a Neuzona, acho que talvez, alguns poucos podem se lembrar da vila sem ela.
Mas é isso que está acontecendo. Seu Aluisio, Seu Ferreira, Tio Amândio, Seu Zé Pirangueiro, Seu Zé Gordo, minha avó, Dona Graciliana, seu Cabral, seu Severo, um a um foram embora, e os mais novos não sabem quem são. São memórias nas cabeças dos mais antigos, que evita-se até tocar no assunto para não causar dor.
E a vila vai morrendo, e com ela, cada pedacinho dos nossos corações que mais querem estar longe daqui para não lembrarem de tanta coisa triste que acontece com a gente todo santo dia. Até entender que o problema está em nós mesmos, e não no lugar que é tão gostoso e cheio de tanta gente boa.
Eu não pude abraçar nenhum desses antes de morrerem, sempre fui pego de surpresa, acho que é isso né? A vida é bem assim, a gente sente saudades até se reencontrar de novo, depois ama até se abusar e volta a sentir saudades.
Graciliano Tolentino