Lembrança de uma idosa na praça

LEMBRANÇAS DE UM IDOSA NA

PRAÇA DO ALEGRETE.

Um dia eu estava andando na Praça Getúlio Vargas, antiga praça 15 de novembro, no meu Alegrete querido, em uma primavera florida, a praça cheia de árvores com orquídeas nos galhos, de vários tipos e cores. Vi uma senhorinha idosa, mais ou menos 90 anos e sentei do lado dela no banco da praça pra saber porque ela estava sozinha ali.

Ela me disse que gostava de ficar olhando as flores, as árvores, as pessoas passando, crianças brincando e ficar relembrando o Alegrete de antigamente. Me contou que essa praça era o ponto de encontro das pessoas no final da tarde e nos dias de hoje também, no domingo enche a praça da cidade e no quiosque se reuniam para tomar café e jogarem conversa fora. Tinha o cinema Glória, onde todos iam para a sessão da tarde (o matinê ), mas também era difícil os pais deixarem as moças irem.

Contou que na Praça Nova, tinha um mini zoológico, com macacos, bugios e aves, havia ali também uma feira do produtor, onde as donas de casa compravam produtos fresquinhos. Depois os animais foram levados para o Parque Rui Ramos, conhecido por “Praça dos Patinhos”, porque tinha um lago com patos e pedalinhos, era muito lindo passear nesse parque e hoje está muito mais lindo cheio de árvores de Ipês roxo, amarelo e branco, Atipa, Jacarandá, Angico e Corticeiras. Nossas praças e parques são lindos e floridos, fazem jus ao nome da cidade que significa ”jardins floridos e praças bonitas”, hoje temos o nosso parque dos Aguateiros que é verde e arborizado à beira do rio Ibirapuitã.

Ela começou a reviver tantas coisas, que eu não me permiti sair do lado dessa pessoa encantadora. Temos a nossa praça do Bebedouro, que tinha brinquedos variados pra as crianças e do lado da praça, temos até hoje um “bebedouro” grande para os animais matarem a sede. Nesse bebedouro reuniam-se as carroças e charretes dos leiteiros, que entregavam o leite de casa em casa, “sim” recebíamos o leite na porta da casa e bem cedo, também os gaúchos que vinham à cavalo pra cidade fazerem compras, usavam o bebedouro.

Sabia que temos outro parque lindo na nossa cidade é o Parque Nehyta Ramos, fica do lado da ponte Borges de Medeiros, onde passa o rio Ibirapuitã, que significa rio da madeira vermelha. Nos sábados e domingos no verão virava um balneário, tinha churrasqueiras debaixo dos Eucaliptos, a água do rio era limpa e podíamos tomar banho de rio, como era bom tomar banho no rio. A cada lembrança dela, os olhos castanhos escuros ficavam brilhando, ao canto dos passarinhos nas árvores e o barulho das bicicletas das crianças pela praça. E a Estação Férrea era um lugar de lazer, os alegretenses iam pra lá ver a chegada e a saída do trem. Também tinham coisas que não eram bonitas, na rua Gaspar Martins, nos anos 50 e 60, a rua era dividida, a calçada do lado do Clube Caixeiral caminhavam os brancos e do outro lado, na calçada do lado da Rádio Alegrete(antiga) passavam os negros, graças a Deus o tempo passou e não existe mais isso, era muito ruim essa separação das pessoas, que hoje chamamos de racismo.

Aquela igreja ali, a Igreja Matriz, Nossa Senhora da Conceição, nas missas aos domingos, era um desfile de modas, as pessoas colocavam as suas melhores roupas e casacos de pele para ir na missa. Do lado da igreja tinha o convento Carmelita, que depois passou a ser a casa dos padres que depois incendiou e hoje é a URCAMP.

Enquanto conversávamos ouvíamos o barulho dos balanços na pracinha e dos adolescentes que andavam de skate. Ela ali com o cabelo branquinho, com toda a calma e paciência de uma pessoa vivida e cheia de recordações da nossa cidade, uma verdadeira aula de história. E a rua das Tropas, hoje avenida Eurípedes Brasil Milano, por onde atravessavam a cidade, grandes tropas de gado e quem morava ali perto, colocavam as crianças pra dentro de casa, pois sempre escapava um boi furioso e o tropeiro corria atrás com seu cavalo.

Hoje os dias passam rápido, vejo as pessoas correndo de um lado para o outro, sempre com o celular na mão, com pressa, correndo de carro. As pessoas passam por mim e nem me enxergam. Nem sei porque tu sentou do meu lado e me deu atenção. As horas foram passando e eu tive que me despedir dessa linda alma que encontrei, a praça foi ficando vazia, a tarde foi chegando e ela se despediu. Saiu caminhando devagarinho, meio curvada e com uma sacolinha na mão. Amanhã espero que ela esteja lá de novo, no mesmo banco da praça com seus pensamentos e lembranças da nossa linda cidade. Eu me senti aliviada e com o coração feliz, por ter tido a oportunidade de conhecer essa senhora e saber mais da minha cidade, contada com tanto carinho por essa senhora tão vivida e solitária.

marcia jack
Enviado por marcia jack em 22/06/2020
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