MEU NOME É QUINTA-FEIRA
MEU NOME É QUINTA-FEIRA.
Manias de criança
Autor: Moyses Laredo.
Quando finalmente aprontei a piscina na chácara, trouxe meus dois filhos pequenos, o garoto com 8 e a menina com 4 anos, nesse dia também convidei alguns amiguinhos seus da rua onde morávamos, conhecidos como os “lourinhos” filhos de um grande amigo que os confiou a mim, pense numa turminha levada, todos na mesma faixa etária, passaram o dia brincando na água, pareciam um bando de paturis, (cruzamento de pato com marreca) descobriram o encanto da infância alegre e descontraída. Mais um ponto do sonho realizado. O meu filho não saía da piscina, era o dia todo se divertindo com os coleguinhas, louro e gordinho, ganhou o apelido de Patão, o qual o chamo até hoje, nos altos dos seus quase quarenta anos. Passou a ser um costume agradável, todos os finais de semana, lá estava eu com meus filhos e eles. A menina, gostava muito de explorar a área comigo, fazia disso uma verdadeira aventura épica na selva, como eu incentivava. Saíamos juntos calçados de botas, facão na cintura, e meu rifle 22. A arma dela era uma espadinha de plástico, daquelas da série He-Man, ela se sentia a própria She-Ra a “Princesa do Poder”, só não levava a capa porque fazia muito calor, mas trazia na cintura, sua inseparável espada de plástico, adicionei outras armas, uma garrafinha d’água com alça, que levava no ombro, mais um chapéu e uma boa lambuzada de repelente. Percorríamos uma parte do perímetro, onde havia uma trilha que dava volta quase nos fundos da área, não era muito distante, mas, para criança, se constituía numa verdadeira aventura, e mesmo porque, eu dificultava ainda mais. Por diversas vezes, parávamos durante o passeio, pedia silêncio, com o dedo nos lábios chiando, dizendo estar ouvindo barulho de onça, nessa hora ela já sacava a espada, eu me aproveitava de qualquer ruído próximo, (podia até ser o vizinho roçando) ficávamos de cócoras, quietos por algum tempo, chegava a ouvir sua respiração ofegante pela excitação, eu mantinha a minha espingarda em posição de tiro (não estava municiada), outras vezes, já era barulho de cobras, ou de macacos. Uma vez arrisquei estar ouvindo sons de elefantes, passou legal, e assim, aumentava a agonia da aventura com ela. O bom é que se amarrava com tudo isso, e sempre pedia “pai, vamos de novo”. Quando retornávamos, estava completamente suada, os olhos brilhando de excitação, eu dava-lhe um bom banho e mesmo assim, não parava de falar, depois, lanchava contando a todos em detalhes o passeio, e sobre os bichos que ouvira. Como o pessoal já estava acostumado com suas “histórias”, faziam caras de espanto, ficavam abismados com tanta coragem, isso lhe dava muita satisfação, se achava muito corajosa, eu confirmava tudo.
Um belo dia ao entrar pela garage de casa, me deparei com uma cena inusitada, o garoto, estava com o corpo quase todo encurvado por sobre o muro de divisa com o do vizinho, aos gritos de “- Pai, pai, me ajuda corre aqui”, ainda sem saber do que se tratava, saí do carro rapidamente e corri até ele, ao chegar perto compreendi o que se passava, ele havia subido em cima de um engradado de cerveja e estava segurando o braço da menina, que se encontrava totalmente pelo lado de dentro do dito muro vizinho, pendurada somente por uma das mãos, segurada por ele, aos gritos de - “Me segura mano, me segura..” e tinha uma cadela velha com a maioria dos dentes estragados e quase desdentada, que a estava atacando. A cada salto pra tentar alcançá-la, a menina encolhia as pernas e a cadela passava raspando e assim estavam já a algum tempo, uma situação de alto risco para ela, pois se as mãos deles escorregasse a cadela a alcançaria, e certamente a morderia com estragos incalculáveis na sua perna, sem contar a infecção que provocaria, era sair dali para o Hospital tomar antirrábica. Em ato contínuo, alcancei a outra mão dela e a puxei rapidamente, constatei que nada lhe acontecera. Depois, interroguei os dois para saber o que havia acontecido. A coisa foi assim pai, se adiantou o menino, estávamos os dois aqui em casa, quando avistei um abiu madurinho no pé do lado da casa do vizinho, porém estava a uma distância que não dava para alcançar, foi então que a chamei para me ajudar. Ajudei-a a subir no muro e de pé lá em cima, ela foi se curvando para alcançar a fruta, eu a segurava pela outra mão. Já imaginei a cena. Foi então que ela alcançou o galho onde estava o abiu e o foi colhendo lentamente para si, o galho veio ao seu encontro, mas, acontece que a força do galho para voltar a sua posição normal, foi maior do que a força dela em segurá-lo e então, o galho a puxou de volta o que a fez cair direto no terreno do vizinho. A cadela que estava deitada do outro lado da casa, deu a volta pelo lado maior, assim, ganhou tempo para ela correr e dar alguns pulos até que o garoto a alcançasse e a segurasse por uma das mãos. Então foi isso que aconteceu, artes deles, e quem ia pagar o pato seria ela, se fosse alcançada. Vendo o enorme risco que aquela velha cadela provocava na criançada da rua, resolvi dar um sumiço nela. No caminho da Chácara, havia um barzinho que sempre parava para comprar alguma coisa, fiz amizade com a família que era dona da birosca, o proprietário, funcionário da Universidade, um camarada bonachão e alegre, sempre nos recebia com um enorme sorriso e dava a maior atenção a minha filha. Às vezes, ela entesava de querer voltar da Chácara, pra casa a pé, não era muito distante, sabia que desistiria, eu permitia, gostava de agradá-la, dirigia logo atrás dela a 10 km/h, que caminhava à frente, uns 5 metros, mantinha o maior cuidado, tudo para satisfazer sua vontade. Quando passávamos pelo amigo do bar, que ficava uns 300 metros, ela sorria e acenava pra todos, como se desfilasse, queria se exibir, o que era imediatamente correspondida, todos chamavam seu nome, passou a ser muito conhecida deles, por sua alegria espontânea. Um dia, quando chegávamos, demos uma paradinha na birosca, ela entrou direto, varando para os fundos onde a família residia, quanta intimidade, o pessoal não se incomodava, gostavam muito dela, que com todos falava animada, contava suas histórias de aventuras na mata com seu pai, assim começava sua conversa. Um belo dia, ao chegarmos no barzinho como sempre fazíamos, nesse dia, foi para comprar refrigerante a seu pedido, todos foram logo pra cima, chamando-a pelo apelido carinhoso que tinha, ela cruzou os braços amuada, fechou a cara na hora, dizendo que o seu nome não era mais esse. - Mas como não é esse?...então diga-nos, qual é o seu nome agora? Perguntou carinhosamente o amigo – Ela na mesma hora se virou e disse: - Meu nome é Quinta-Feira! – Como é que é? Ela repetiu - Quinta-Feira! kkkkk! Foi uma gargalhada geral, a família toda veio dos fundos do bar onde moravam, para ouvir a nova presepada, era muito mimada por todos. Até eu me espantei da convicção com que anunciava seu novo nome. Quando saímos de manhã cedinho ainda não havia mudado de nome, eu já estava acostumado com isso, algumas vezes, quando acordava, ia fazer-lhe um dengo, então pedia para ser chamada por outro nome, que inventava na hora, tudo bem, o que para mim era normal, depois esquecia. Agora, Quinta-Feira?...de onde tirou isso? ... não faço a menor ideia! Então, esse passou a ser o seu novo nome a partir daquele instante, queria que todos a chamassem assim. Foi Quinta-Feira pra cá, Quinta-Feira pra lá, sempre acompanhado de risadas, e ela, atendia todos na maior naturalidade, sempre séria nos seus 4 e poucos aninhos. Passados mais de 30 anos, ao encontrar os velhos amigos do barzinho, me perguntaram pela Quinta-Feira, não a esqueceram, e sempre um sorriso de lembrança acompanhava as perguntas. Eu tinha que lhes dar as notícias que sabia daquela outrora e inocente “Quinta-Feira”. Sua filhinha tem 4 e poucos aninhos, a mesma idade das “aventuras” dela. Isso me trouxe muitas lembranças alegres e extrovertidas, daquela trepidante caçadora aventureira chamada Quinta-feira.